No último dia 27, aconteceu o UCCONX, um evento de cultura geek organizado pela BBL eSports (holding de entretenimento desse público).
O evento contou com um marketing que o posicionava como algo diferenciado: ingressos que iam de R$ 125 (meia) a R$ 5 mil (pacote VIP) e uma lista expressiva de convidados, como a atriz Millie Bobby Brown (Eleven, de Stranger Things) e George Takei (Hikaru Sulu, do Star Trek clássico e um ícone do público).
Contudo, próximo ao dia do evento, Millie e Takei confirmaram que não iriam comparecer, alegando terem contraído Covid-19. Uma justificativa que por si era escusável, mas se aliou com um evento com poucos estandes, poucos produtos para venda, falta de público e uma lista de convidados remanescentes como atrativos (como Dacre Montgomery que é um coadjuvante de pouca importância em Stranger Things ou Ian Sommerhalder que foi o astro de The Vampire Diaries, série que se encerrou tem mais de cinco anos).
É o que no linguajar da internet se chama de Flop, um fracasso.

Não bastando a ira do público, comparando com o Fyre Festival (um festival em que aconteceu algo similar e até virou um filme na Netflix), começaram a surgir denúncias sobre a organização do evento por parte de ex-funcionários. Também não levarei em conta algumas informações mais duras relatadas pelos mesmos.
Vou tentar aqui falar um pouco sobre o que transcorreu, com base ao pouco que se tem acesso de informações e narrativas unilaterais retiradas de redes sociais. Longe de alegar culpa da organização sobre os fatos, a ideia é mostrar as consequências jurídicas no caso de o que foi relatado ser verdadeiro.
O começo da história é clássico: dois amigos que se juntaram e quiseram entrar no ramo geek, lá em 2019. Claro que, de lá para cá, houve uma série de fatores que todos sabemos, mas o fato é que eles conseguiram outro sócio e um investidor para viabilizar o evento. Como não foram revelados os nomes do caso, também irei me abster de dar maiores detalhes quanto a isso.
Esse investidor teria desembolsado a quantia de R$ 8 milhões para viabilizar o evento, tendo sido contratada a equipe e uma empresa terceirizada para gerir o projeto. Dinheiro esse que acabou em poucos meses e, supostamente, sem prestação de contas, no que foi afirmado que o investidor lesado entrou com um processo criminal contra os sócios que respingou até mesmo na dona da empresa terceirizada.
Mesmo diante das dificuldades o projeto continuou e em outubro de 2021 foi iniciada a pré-venda dos ingressos.
Começamos a ver o projeto ambicioso, que seria executado pela empresa que montou a abertura das Olímpiadas do Rio de Janeiro (sem brincadeira). Seis universos temáticos, mais de 140 mil m2 de área. Estruturas incríveis numa experiência que seria "inexplicável". Segue o vídeo pic.twitter.com/jBqee1PGM4
— Hugo Melo (@hugoevmelo1) July 27, 2022
A partir deste momento, os funcionários alegam que começaram a ocorrer atrasos nos pagamentos deles e de alguns fornecedores e que a empresa diria que entraria um novo sócio para poder arcar com os salários, uma suposta fintech. É nesse momento que a BBL eSports assume o projeto, contratando uma nova equipe e com uma nova visão do negócio.
O relato é encerrado nesse momento, por ser onde o vínculo com os funcionários se encerra. Os fatos que temos é que o evento ocorreu e foi o desastre anteriormente relatado.
Essa é a ponta do iceberg de um relato que envolve acusações de assédio moral até elementos mais sérios, que não iremos entrar no mérito.
Sobre as acusações, a BBL respondeu de modo evasivo que os fatos expostos ocorreram em 2021, quando ela ainda não estava no empreendimento. Essa é a resposta já esperada, e que pode estar correta do ponto de vista das relações públicas, já que eles não tinham controle sobre os fatos anteriores, mas que não funciona juridicamente.
A empresa não tem culpa dos fatos anteriores, praticados por outras pessoas. Mas por ter entrado na operação e continuado o projeto, possui responsabilidade por eles. Não posso afirmar com propriedade que tipo de operação foi feita para passar o controle, mas é unânime do ponto de vista jurídico que em todas elas o adquirente possui responsabilidade por eventos ocorridos anteriormente.
É por conta disso que existem processos de due diligence, diligências prévias que visam avaliar os riscos da operação, para o empresário adquirente entender no que está se metendo e assim tomar a decisão. Não sei se foi feito nesse caso ou se foi uma operação “a toque de caixa”, mas não ter avaliado o risco não é algo que pode ser alegado.
Da mesma forma, e isso obviamente é mais evidente, que a empresa também se responsabiliza pela promessa que foi feita sobre o evento. Se o público havia comprado o ingresso para ter um determinado evento, a entrega deve ser condizente com aquilo, não podendo ser alegado que não foi entregue o prometido porque “outras pessoas haviam idealizado”.
Obviamente, estamos falando aqui de um caso concreto, que possui uma série de fatores que devem ser avaliados pelo jurídico da BBL, mas caso a situação, de fato, ocorreu da forma que foi relatada, existe todo um passivo quanto aos fornecedores, dívidas trabalhistas e possíveis ações judiciais consumeristas que foram transmitidos à empresa no momento que se fechou o negócio. Mais do que números, são também vidas de pessoas afetadas.
Esse caso ensina uma lição aos empresários, que muitas vezes adquirem um negócio por gostar da narrativa contada sobre ele, por oportunidade de mercado que sente (e o feeling do empresário nunca pode ser menosprezado), mas não avalia juridicamente aquilo que está entrando.
Negócios devem ser feitos tomando as cautelas legais, para que o empresário entenda não só o que está herdando de pontos positivos do negócio, como também os riscos a ele associados. Quem nunca ouviu uma história de uma pessoa próxima que adquiriu um estabelecimento e depois descobriu que o buraco era mais embaixo?
Se mesmo após essa avaliação, ainda for entendido que essa é uma boa oportunidade, é um risco calculado, que pode ser recompensado ou não, mas estará no horizonte de possibilidades. Uma situação que acaba sendo bem mais confortável do que apenas descobrir no que está se metendo depois que o negócio foi concluído.
Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.