Na última sexta-feira. começou o julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre uma discussão que poderá impactar diretamente a economia doméstica do mês de abril: os Ministros estão sentados para discutir se bacalhau é ou não um peixe.
Explicando melhor: o Brasil é signatário do GATT, acordo de livre comércio que estabelece entre suas diretrizes que o peixe importado deve ter a mesma tributação do peixe seco nacional. Entretanto, quando se trata de bacalhau, é cobrada uma alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 5% da Noruega e Portugal.
A controvérsia foi judicializada e o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) entendeu que nesse caso não existiria nenhuma infringência ao GATT. Motivo? O bacalhau quando chega ao Brasil já vem “seco, eviscerado, sem cabeça e salgado”. Não seria, portanto, um peixe seco, mas o resultado de um processo que aperfeiçoa um produto para consumo, um processo de industrialização.
É uma discussão aparentemente boba e muitas vezes travada em tom de brincadeira no cotidiano, mas que pode modificar toda a configuração tributária do produto. Bacalhau é um peixe ou um produto? A depender da resposta, pode incidir ou não o IPI.
Não é do interesse entrar no mérito sobre esse caso específico, cujo julgamento deverá ser encerrado ainda essa semana no STF, mas sim o utilizar de paradigma para entendermos como discussões aparentemente triviais podem gerar consequências diretas no Direito Tributário.
Essas discussões não são exclusivas do Brasil. Um exemplo clássico de debate europeu sobre o assunto foi a discussão se o Jaffa Cakes (produto de base mole e coberto por geleia de laranja e chocolate) é um bolo ou um biscoito. Tendo o juiz da causa definido que era bolo, porque quando ele ficava fora do prazo, endurecia em vez de amolecer.
De toda sorte, mesmo não sendo uma exclusividade nacional, é fato que no Brasil os planejamentos de empresas têm como boa parte de suas discussões esses enquadramentos de produto entre duas categorias. Isto porque o IPI é um imposto seletivo, diminuindo sua tributação a depender da essencialidade do produto.
Essa essencialidade é um princípio que, em teoria, faz bastante sentido, mas que na prática acaba por gerar uma série de dificuldades no enquadramento tributário.
Como no caso da Crocs que teve suas mercadorias retidas no desembarque aduaneiro por estarem classificadas como sandália de borracha e não sapato impermeável. Para anos depois receber um auto de infração por ter classificado o seu produto como sapato impermeável e não ter feito o pagamento das tarifas antidumping de produtos importados da China (que não incidia sobre sandália de borracha).
A solução deste caso é emblemática. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) considerou que a classificação correta é como sandália de borracha, uma vez que a Crocs não é coberta até o tornozelo. O caso só não é mais revoltante porque, em virtude do princípio da boa-fé, o órgão entendeu pelo cancelamento do auto de infração, uma vez que a empresa fora induzida a erro.
Claro que, no momento do planejamento tributário, existem formas de se minimizar essas dificuldades, devendo o planejamento tributário ser condizente com a realidade dos fatos. No exemplo dos perfumes e água de colônia, deve a composição do produto ser a de água de colônia, não bastando apenas constar isto na embalagem.
Outra forma é a de realizar consultas nos órgãos de arrecadação, submetendo determinado planejamento e verificando o posicionamento deles sobre o assunto. No exemplo da Crocs, ela poderia desde o início ter realizado uma consulta ao Fisco sobre qual seria o enquadramento dos seus produtos, estando ambas as partes vinculadas à resposta.
Todos estes exemplos servem para, com exemplos reais e interessantes, demonstrar as complexidades do nosso sistema tributário, onde determinado produto pode estar em uma zona limítrofe entre duas possibilidades de enquadramento ou até mesmo, com leves alterações, gerar uma grande economia tributária para a empresa ao mudar seu enquadramento.
Complexidades estas que se transformam em riscos jurídicos que devem ser analisados pelas empresas no momento de montar suas operações. Uma importadora que tenha optado por entrar no mercado através da importação de bacalhau por acreditar que estavam regidas as disposições do GATT poderá ter um gasto tributário não esperado a depender do que for decidido pelo STF.
Deve, assim, haver um alinhamento entre o planejamento tributário e a gestão do negócio para entregar um produto que ao mesmo tempo seja competitivo no mercado e esteja com o melhor enquadramento tributário.
Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.