“I hope to hear from you soon” ou, em português, “aguardo retorno de você em breve”. Foi com essas palavras que o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral encerrou um ofício enviado em dezembro de 2021 ao CEO do Telegram: Sr. Pavel Durov.
No ofício, o ministro menciona que o Telegram está presente em 53% dos smartphones brasileiros e que teorias conspiratórias e falsas sobre o sistema eleitoral estão sendo disseminadas pelo aplicativo. Para o TSE, o Telegram é uma peça-chave no ecossistema de proliferação de fake news eleitorais.
Isso porque o Telegram oferece um sistema de buscas que permite indexar comentários sobre diversos assuntos em canais e grupos públicos, o que culminaria por facilitar o encontro de pessoas que compartilham fake news ou discursos de ódio.
Atualmente, algumas ações no Supremo Tribunal Federal (ADPF 403 e ADI 5527) já discutem se o Marco Civil da Internet autoriza a suspensão ou bloqueio de um serviço ou aplicativo oferecido por uma empresa que se recusa a cooperar com o Judiciário.
As ações caminham para o entendimento de que juízes não podem determinar o bloqueio de aplicativos de mensagens por descumprimento de ordem judicial. Também é de se ressaltar o trâmite do inquérito das fake news, que investiga a atuação de redes de desinformação, inclusive por meio do app Telegram. O próprio presidente Jair Bolsonaro já criou um canal de distribuição oficial de informações no referido aplicativo.
Desde a adoção da tecnologia de criptografia ponta-a-ponta, o Whatsapp não possui capacidade técnica de acessar o conteúdo das mensagens trocadas por seus usuários, que fica restrita aos interlocutores. No entanto, a empresa pode acessar metadados, ou seja, informações sobre quais usuários conversam entre si, quem compõe determinado grupo, mensagens que são encaminhadas com frequência, entre outros. O Whatsapp possui representação no país e coopera com as autoridades brasileiras.
O Marco Civil da Internet estabelece que a lei brasileira se aplica para empresas que desempenham atividades no território nacional, ainda que não tenham sede no país. É nesse contexto que o Telegram está na mira do Tribunal Superior Eleitoral e do Ministério Público Federal, correndo o risco de ser bloqueado no Brasil.
Os motivos vão desde a disseminação de notícias falsas e discurso de ódio até a ausência de resposta e cooperação da empresa com as autoridades brasileiras. O aplicativo já foi bloqueado em alguns países.
Na Rússia, país onde foi criado, o app foi banido entre 2017 e 2020, após o criador do aplicativo se recusar a compartilhar com o governo um registro de conversas das pessoas que usam o serviço no país. Em 2021, Cuba também bloqueou o acesso durante os protestos contra o regime local, e China e Bielorrússia também bloquearam como repressão aos protestos na internet.
A política de privacidade do Telegram informa, no item 8.3, que o aplicativo poderá divulgar o endereço IP e o número de telefone de usuários às autoridades competentes se for judicialmente notificado acerca de suspeita de terrorismo, asseverando, contudo, que até o presente momento isso nunca aconteceu.
O Brasil já bloqueou empresas que se recusaram a dialogar com as autoridades. Em 2006 aconteceu com o YouTube, em 2014 com o Secret e em 2015 e 2016 juízes ordenaram o bloqueio do WhatsApp no Brasil. Em 2012, a Polícia Federal deteve o diretor-geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, após a empresa se recusar a apagar um vídeo do YouTube que acusava um político mato-grossense de crimes, e em 2016 o vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, foi preso após o WhatsApp se recusar a compartilhar dados criptografados de um suspeito de tráfico de drogas.
A funcionalidade do Telegram, em essência, não pode ser considerada ilícita. O que se combate, no entanto, são os conteúdos que lá são veiculados.
O bloqueio de um aplicativo, entretanto, é uma medida que impacta não apenas os infratores como também uma gama de outros usuários que se utilizam do canal para finalidades lícitas, o que é questionável sob o prisma da proporcionalidade.
Perseguir quem financia as campanhas de desinformação é um fator primordial e, talvez, mais eficaz do que a ideia de bloqueios de aplicativos. Com o bloqueio, uma minoria recorreria à meios alternativos de acesso, como VPN’s ou, ainda, migrariam para outra plataforma análoga.
É improvável que o bloqueio, por si só, acabe com as redes de disseminação de desinformação. No máximo, haveria uma desorganização momentânea desses agentes. O fato é que as instituições têm falhado ao lidar com esse problema novo e complexo. Um aplicativo consegue pôr em xeque a soberania de um Estado?
A Alemanha também está lidando com essa questão porque o Telegram tem sido utilizado para planejar atentados no país, incluindo um plano de assassinato de um governador estadual. Recentemente, o Telegram finalmente respondeu aos contatos alemães e teve um encontro oficial com a Ministra do Interior, Nancy Faeser, tendo bloqueado, na sequência, 64 canais usados por grupos extremistas, atendendo a um pedido formal da Polícia Federal alemã.
Diante desse cenário, resta aguardar se a mesma postura será adotada no Brasil ou se será necessário recorrer à cooperação internacional com a Alemanha para a obtenção de maiores informações. De todo modo, é necessário refletir sobre bases legais e limitações às atuações das redes sociais e plataformas, bem como mecanismos efetivos de contenção de disseminação de informação, que não é um fenômeno exclusivo do Telegram.
Sugestão audiovisual: The Waldo Moment (terceiro episódio da série antológica Black Mirror de Charlie Brooker).
Gabriela Buarque é advogada e mestranda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisadora no Projeto Privacy Lab do Centro de Direito, Internet e Sociedade (CEDIS) do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e na equipe de inteligência artificial do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN).