Em 06 de janeiro, a Uber anunciou o cancelamento do seu serviço de entregas. O discurso oficial foi uma afirmação genérica de mudança de estratégia, mas nos bastidores é afirmado que o grande motivo é o comportamento monopolista do seu rival, iFood, no país.
Não à toa, já que o iFood representa concentração de 80% do mercado de entrega de comidas. É o líder de um seguimento que quanto maior sua concentração, mais fácil se torna atrair novos clientes. Afinal, o consumidor procura pelos aplicativos que tenham a plataforma mais completa em termos de número de restaurantes.
Ao contrário do que muitos pensam, isso não é sinônimo de monopólio, que é a exclusividade sobre determinado mercado, sendo algo proibido no Brasil (salvo raras exceções, como o monopólio postal dos Correios). O que existe é concentração de mercado, uma empresa que se tornou tão grande que passa a ser o principal concorrente do setor.
Essa concentração de mercado gera uma série de consequências no mundo dos negócios, sendo por isso também objeto de regulação. Isso porque, se um dos princípios básicos da ordem econômica é a livre iniciativa, ela não pode existir sem a livre concorrência.
A livre concorrência nada mais é do que o direito a concorrer. Não sendo impedido de montar o seu negócio e de tentar ganhar o mercado de forma justa. Ocorre que, muitas vezes, quando se tem um poder de mercado muito grande, certas atitudes da empresa podem acabar por prejudicar a livre concorrência, em virtude de sua alta concentração de mercado.
É para estes casos que existe o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão que tem como principal agenda proteger a livre concorrência, evitando concentrações de mercado.
Muito se houve falar da atuação do CADE no caso de atos de concentração (fusões e aquisições), já que empresas de maior porte ao se unirem devem obrigatoriamente passar pelo crivo do órgão. Só que existe uma série de outras formas de proteger a concorrência.
Em termos práticos, pode o órgão julgar qualquer ato anticompetitivo de empresa que possua mais de 20% de determinado mercado. Como foi o caso do iFood, em processo administrativo movido pelo Rappi.
O Rappi alegou que o iFood, por ter sido o pioneiro no setor, conseguiu, assim, uma série de restaurantes para compor a sua base. Até aí, nada de ilícito, apenas demonstrando que a empresa possui uma boa visão de mercado, por ter sido a primeira a explorar o setor no Brasil e o fazer com competência.
O problema deste caso se deu porque, aproveitando-se desta vantagem de ser pioneiro, o iFood começou a fechar uma série de contratos de exclusividade, em que aqueles que assinassem teriam uma série de benefícios, como taxas menores, oferecendo como contrapartida não colocar seu cardápio em nenhuma outra plataforma concorrente.
Cláusula de exclusividade também não é um movimento ilícito, sendo algo comum em todo o mundo. Entretanto, quando uma empresa com a posição dominante no mercado devido ao pioneirismo adota essa estratégia, isso gera um aumento de barreiras de entrada ao fazer com que os concorrentes não possuam clientes para abordar e tenham que se contentar com restaurantes que não interessem ao iFood.
Pode, no curto prazo, ser bom para os restaurantes optantes e para a coletividade de consumidores, mas gera um movimento de menos concorrência para o setor. Não à toa, o processo foi endossado pelo Uber Eats e associações de restaurantes como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e a Associação Nacional de Restaurantes.
Por todos os argumentos expostos, entendeu o CADE que não poderia o iFood firmar novos contratos com esta estratégia de exclusividade, por limitar o crescimento de outros concorrentes no setor. Obviamente, aqueles contratos que já haviam sido firmados na data da decisão (março de 2021) deverão ser honrados, até o seu término.
É uma decisão liminar de março e o processo administrativo é longo, só que indica o entendimento do CADE sobre o assunto, levando-se em consideração a concentração de mercado do iFood.
Obviamente, isso é apenas uma medida tomada para tentar mitigar a concentração do setor, não servindo como uma solução para o problema, que é bem mais complexa. O principal papel do CADE é fazer um controle repressivo, impedindo determinadas práticas.
No entanto, essa atuação ajuda a distribuir um pouco melhor o poder neste mercado que já é pouco competitivo, evitando que, através de estratégias de mercado lícitas, o iFood acabe por aumentar ainda mais a sua concentração e diminuir a concorrência do setor.
Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.