O perfil arquitetônico das dependências de domésticas em prédios de Maceió

(Foto: Betto Jr/Correio 24 Horas)

Estudo observa que espaços foram desenhados para distanciar famílias e profissionais.

Publicado pela Editora Universitária Edufal, o trabalho de mestrado feito pela arquiteta e urbanista Jéssica Caroline Rodrigues de Lima investigou os tipos de dependências de empregadas em apartamentos construídos entre as décadas de 60 e 90, em Maceió.

Foram analisadas 268 plantas de edifícios multifamiliares durante o estudo, sendo eles de médio e alto padrão, produzidos de 1964 à 1999, que possuem mais de 4 andares e elevador.

O estudo foi dividido em duas partes: os primeiros resultados foram relacionados à investigação dos tipos de dependências de empregadas em edifícios construídos em diversas cidades brasileiras entre 1910 até o final dos anos 90.

Já os resultados seguintes, foram resultado da análise de projetos das dependências de empregadas presentes em edifícios construídos nas décadas de 60 a 90 na capital alagoana.

Qual o objetivo da pesquisa?

O trabalho traça a trajetória histórica das dependências de empregadas domésticas nos apartamentos construídos entre 1910 e 1990 para, então, analisar os acessos e configurações de espaço em edifícios de médio e alto padrão que foram produzidos entre 1964 e 1999, em Maceió.

O que foi descoberto?

A pesquisa constatou que, até o início da década de 40, havia uma diversidade maior de tipos de dependências reservadas ao uso por empregadas domésticas nos edifícios brasileiros.

Os espaços podiam ser: vários quartos na cobertura ou no térreo, nos fundos do terreno, ou fora do apartamento, próximos a área da escada ou elevador, além dos quartos situados dentro dos apartamentos, que também já existiam.

A partir dos anos 1940, os tipos externos de quartos de empregada foram desaparecendo gradualmente da arquitetura, e a configuração atual dos quartos situados dentro dos apartamentos passou a ser única e padronizada nas diversas regiões brasileiras. Com a cobertura passando a ser valorizada, reformas e outros projetos mudaram o local onde as domésticas ficariam, por exemplo.

Todos esses modelos de dependências tinham um ponto comum: promover o distanciamento entre integrantes da família que moravam nos apartamentos e suas empregadas domésticas.

Esse distanciamento acontecia de uma maneira mais radical, através da externalização e separação de maneira vertical ou horizontal dos alojamentos coletivos, ou pelo isolamento espacial de dependências individuais que ficavam dentro da área de serviço dos apartamentos.

A separação também ocorreu nas entradas, corredores e elevadores, que passaram a ser diferentes para uso social e de serviço. Segundo Jéssica Rodrigues, em muitos casos os ambientes eram dispostos de maneira totalmente desconexa.

(Foto: Volha Flaxeco/Unsplash)
(Foto: Volha Flaxeco/Unsplash)

Durante o estudo, foi observado que as dependências para empregadas domésticas foram consideradas indispensáveis em edifícios lançados entre os anos 60 e 70, além de estarem bastante presentes nos construídos nas décadas de 80 e 90, principalmente em apartamentos que tinham de 3 a 4 quartos.

Esses espaços direcionados ao alojamento das empregadas domésticas, com o tempo, passaram a ter uma localização padronizada no interior do setor de serviço dos apartamentos, com dormitório e banheiro, e acesso pela cozinha ou área de serviço, e passaram por um processo de redução progressiva, muitas vezes com dimensões abaixo do limite mínimo exigido por lei, tanto nos empreendimentos mais caros como nos mais populares. Isso resultou em uma naturalização e associação desses espaços a áreas reduzidas, e consolidou a maneira que referem-se ao local atualmente, com o diminutivo “quartinho”.

Com as crises econômicas nacionais durante os anos 80, as famílias de renda média passaram a substituir a mão de obra doméstica que dormia no trabalho pela diarista, modificando substancialmente o uso do dormitório de empregada, que passou a desempenhar funções como depósito e quarto de passar roupa.

A partir deste contexto, o mercado imobiliário deslocou o cômodo dentro da planta do apartamento, instalando-o entre o setor íntimo e de serviço, criando uma nova tendência: o quarto de empregada reversível, com atributos que possibilitam uma requalificação do status social do espaço.

(Foto: Reprodução/Jéssica Rodrigues)
Trabalho analisou quase 300 plantas de edifícios multifamiliares. (Foto: Reprodução/Jéssica Rodrigues)

Nos anos 90, observou-se uma retirada progressiva do dormitório para empregadas nas unidades destinadas à classe média, mantendo apenas o banheiro de serviço na maioria das vezes.

Nos edifícios que mantiveram o dormitório, o cômodo não foi tão aprimorado, e segundo Rodrigues, “este ambiente continua seguindo um esquema muito similar ao existente nos quintais (considerado espaço de rejeição) das residências unifamiliares; dotado de atributos de desvalorização que evidenciam ligações socioespaciais muito próximas com a senzala, uma vez que se reproduzem como espaços de exclusão que demarcam o lugar inferior do trabalhador doméstico”, complementa.

Os resultados obtidos no estudo permitem afirmar que já existe uma tendência de eliminação da dependência de empregada nos apartamentos de padrão construtivo médio, devido às mudanças nas relações de trabalho, a regulamentação dos direitos dos trabalhadores domésticos e crises econômicas que reduziram o orçamento familiar, tornando mais escassa a contratação de empregadas domésticas que pernoitam no serviço, com preferência pela diarista.

O que pode ser feito a partir de agora?

Visando dar continuidade ao estudo, Jéssica sugere a análise dos edifícios lançados em Maceió de 2000 a 2022, período marcado pela aprovação da Emenda Constitucional nº 72 em abril de 2013, conhecida popularmente como “PEC das domésticas”, e pela aprovação da Lei Complementar nº 150, em junho de 2015 – documentos que ampliaram o rol de direitos das empregadas domésticas.

Aliados a outras mudanças socioeconômicas, esses acontecimentos podem ter influenciado na forma como o mercado imobiliário passou a planejar as dependências de empregadas dos empreendimentos construídos nesse período.

Além disso, a arquiteta também destaca a realização de pesquisas in loco, que busquem identificar quais os usos estabelecidos nos cômodos destinados às domésticas, principalmente em edifícios de apartamentos voltados para a população de renda média; estudos abordando o ponto de vista das empregadas domésticas mensalistas em relação aos dormitórios, banheiros e demais ambientes designados para o seu uso em apartamentos; e a investigação de regras que abordem as condutas e comportamentos das profissionais nesses ambientes.

Ficha técnica

PAPER: Through the service door: spatial analysis of maids’ dependencies of apartment buildings in the 1960-1990s in the city of Maceió/AL.

AUTORA: Jéssica Caroline Rodrigues de Lima.

DEPARTAMENTO: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

E-MAIL: jessi.rodrigues90@hotmail.com

DISPONÍVEL EM: Repositório Institucional da Ufal


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