Como a Itapemirim foi autorizada a operar no setor aéreo durante uma recuperação judicial?

(Foto: Divulgação/Itapemirim)

A essa altura, você já deve ter tido contato com muitas notícias sobre a Itapermirim, a empresa aérea que resolveu suspender as operações da ITA (companhia do setor aéreo do grupo) nas proximidades do Natal de 2021 e fez com que muitos passageiros perdessem voos para suas viagens de fim de ano.

Também gerou espanto a proximidade do primeiro voo da empresa (em 29 de junho de 2021) e o encerramento das operações (17 de dezembro de 2021).

Muitas dúvidas surgiram desde então. A mais comum, sem dúvidas, era o que os consumidores afetados poderiam fazer. Nada mais natural, uma vez que eles precisavam de uma resposta rápida a respeito do assunto.

Contudo, também sempre se questiona como uma empresa que se encontrava em recuperação judicial, uma situação sempre delicada com os credores, conseguiu operar em um setor conhecido por não ser lucrativo como o da aviação civil.

A Viação Itapemirim foi fundada na década de 50 e tinha como principal objeto o transporte terrestre, mas compondo um grupo econômico que atua em diversas frentes de negócio. Devido a dificuldades financeiras, entrou em recuperação judicial no ano de 2016, tendo sido vendida pelo valor simbólico de R$ 1 para Sidnei Piva de Jesus e Camila de Souza Valdivia.

Desde que assumiu, era objetivo da nova administração voltar a operar no setor aéreo para oferecer transporte a seus passageiros e, assim, integrar seus transportes terrestres e aéreos em uma única operação, tentativa que já havia sido feita na década de 90 e resultou em uma venda dos ativos da empresa para a TAM e posterior encerramento das atividades.

A empresa tentou entrar no setor aéreo inicialmente em julho de 2017, com a compra da Passaredo, operação esta que foi desfeita por quebra de contrato, não tendo a Itapemirim pago um sinal (de valor não divulgado à época) no prazo estabelecido de 60 dias.

Em setembro de 2020, a empresa adquiriu a ASTA Linhas Aéreas, sem a sua frota, para facilitar assim o seu processo de credenciamento, ao usar o certificado de uma empresa já existente. Sendo, a partir deste momento, que a situação começa a ficar um pouco mais complexa.

Os credores da recuperação judicial tentaram, à época, impedir a operação de ocorrer, por julgar temerário que se criasse um braço de negócios em um setor complexo, quando ainda se tinha uma recuperação judicial em vigor.

O Judiciário à época afirmou que não poderia o juiz responsável pela recuperação judicial definir como uma empresa deve operar seus negócios, tendo ele legitimidade exclusivamente para definir se os credores estão sendo lesados por meio do inadimplemento do plano de recuperação judicial. Como o plano vinha sendo respeitado, não poderia então o juiz da causa obstruir a expansão dos negócios.

Analisando sob a ótica do Direito Empresarial, essa decisão se demonstra correta. Entretanto, existe outro fator que necessita ser analisado.

A problemática que surge deste evento é que a administradora judicial (EXM Partners), em diversas ocasiões que apresentou os relatórios de atividades mensais, comunicou ao Judiciário que, muito embora as informações apresentadas pela Itapemirim levassem a crer sim por um quadro de adimplência, também faltava transparência à empresa na apresentação de informações.

Esta falta de transparência se agrava no tocante à empresa aérea, tendo o grupo econômico alegado sigilo de mercado para não fornecer determinadas informações à administradora. Ao todo, o desembolso do grupo econômico para a companhia aérea foi de aproximadamente R$ 40 milhões.

Não à toa, o pedido do grupo econômico para sair da recuperação judicial ao alegar que está pagando os credores ainda não foi apreciado, em virtude desta ausência de transparência adequada, além de um grupo de credores tentar destituir o presidente da conglomerado (Sidnei Piva).

Seja como for, o Judiciário entendeu que não poderia entrar no mérito sobre essa expansão dos negócios para o setor aéreo.

Por sua vez, a Agência Nacional de Aviação Civil deve verificar, no momento da concessão da outorga, se a empresa está em dia com as obrigações fiscais, trabalhistas e previdenciárias, de acordo com a Resolução nº 377. Obviamente, você deve estar se perguntando como uma empresa em recuperação judicial conseguiu comprovar o adimplemento destas obrigações.

Isto se deu pela forma como a operação foi feita, por meio da criação de uma nova empresa que possuiria como sócios a Viação Itapemirim e Sidnei Piva de Jesus (sócio do grupo econômico). Com a criação de uma nova empresa, não existem dívidas fiscais, trabalhistas e previdenciárias pré-existentes, dado que uma nova empresa surge sem nenhuma dívida.

A ANAC afirma que não pode, em sua competência, avaliar a situação financeira dos sócios, o que é uma prerrogativa bastante válida em uma situação de normalidade econômica, mas que gera uma situação um pouco mais problemática quando um dos sócios é uma empresa que está em recuperação judicial, o que é um indicador de crise econômica do empreendimento.

Agrava-se a situação quando se leva em conta que o capital social da ITA é de R$ 380 mil, valor este notoriamente insuficiente para arcar com as obrigações sociais da empresa. A ANAC não realiza uma análise do capital social por considerar que criaria uma barreira à entrada de novas empresas, fator este que acabou sendo explorado para a criação de uma empresa subcapitalizada.

Claro que não se poderia engessar um setor que já se mostra bastante regulado a ponto de impedir que empresas em recuperação judicial entrem nele ou crie critérios complexos para se verificar a suficiência ou não do seu capital social. Essa é uma situação complexa que demanda mecanismos que verifiquem se a empresa possui condições de funcionar, sem impedir a entrada de novos participantes.

O inegável é que os mecanismos existentes não conseguiram antever a situação da ITA, empresa que utilizou dos mecanismos legais para começar a operar, mesmo que não estivesse com saúde financeira para operar por meros seis meses.


Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.


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Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.

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