Conglomerados: as empresas devem diversificar as suas atividades?

(Foto: Dado Ruvic/Reuters)

No mês de novembro, duas corporações anunciaram a separação de suas unidades de negócios e vão deixar de ser reconhecidas como conglomerados.

Primeiramente, a General Eletric, – um dos maiores símbolos da indústria americana e que já esteve envolvida no passado com uma infinidade de setores completamente descorrelacionados, como plásticos, sensores de segurança e finanças -, apresentou um plano de divisão da corporação entre as suas três atuais atividades: aviação, saúde e energia.

De acordo com o CEO da GE, Lawrence Cup, a decisão de administrar três empresas operacionalmente separadas permite uma especialização maior, um redirecionamento de recursos melhor adaptado, assim como uma maior flexibilidade estratégica para criar valor.

Racional parecido foi apresentado por Alex Gorsky, CEO da Johnson & Johnson, na decisão de separação de suas duas divisões de negócios: produtos de consumo (responsável por produtos como Band-aid e Listerine) e farmácia e dispositivos médicos (que inclui produtos como medicamentos e a vacina para covid-19).

Segundo Gorsky, o objetivo é criar dois líderes globais através de uma companhia farmacêutica com grande potencial e um empresa de consumo com marcas icônicas.

Essas duas notícias colocaram os holofotes em uma antiga discussão da administração de empresas: as empresas realmente devem diversificar suas operações dentro de uma gestão central como ocorrem com os conglomerados?

A diversificação é realmente uma justificativa por si só?

A diversificação empresarial representa a entrada da firma ou grupo empresarial em uma nova linha de negócio, seja por desenvolvimento interno ou por aquisição. Muitas vezes os empresários argumentam que estão diminuindo seus riscos ao expandirem seus negócios para novos mercados, fazendo um paralelo com a diversificação no mercado financeiro quando se investe o capital em diferentes ativos financeiros descorrelacionados.

Por outro lado, autores consagrados da administração estratégica como Michael Porter apontam que a diversificação não deve ser o argumento para formação de um conglomerado. Diferentemente de uma carteira no mercado financeiro, quanto mais a administração de uma empresa diversifica e se afasta do seu core business, maior o risco. Afinal, ser um excelente empresário no setor de eventos não vai garantir nenhuma expertise para administrar uma indústria de elementos, por exemplo.

A entrada de uma empresa em um novo mercado deve ser feita com o mesmo rigor que apresentei no meu artigo anterior no processo de avaliação de uma oportunidade de negócios. Mesmo empresários experientes podem errar a mão entrando em uma diversificação com baixo potencial de sucesso.

Exemplificando, temos a tentativa do conglomerado Virgin Group, do bilionário Richard Branson, de competir no mercado de refrigerantes contra as gigantes Pepsi Coca Cola com o lançamento da Virgin Cola na década de 90.

Mesmo utilizando um preço 20% abaixo do que os concorrentes, a Virgin Cola não conseguiu atrair consumidores suficientes para se tornar uma iniciativa viável já que Pepsi e Coca Cola conseguiram bloquear o produto de obter espaço nas prateleiras dos supermercados e ampliaram seus investimentos em publicidade para contra-atacar. Um resultado previsível dentro de uma análise adequada de estrutura de mercado.

A Virgin Cola não obteve participação global de mercado significativa e não conseguiu realizar lucro nem mesmo em seu território natal, o Reino Unido. (Foto: EPA)

Quando o conglomerado faz sentido

Empresas bem-sucedidas atuando como conglomerados costumam ter uma lógica comum para governar o grupo. Pode ser um modelo de negócios similar entre cada empresa, uma mesma proposta de valor para os consumidores ou uma expertise superior em determinado campo que possa ser reaplicada.

Um exemplo disso seria o easyGroup, um conglomerado fundado pelo empresário grego Stelios Haji-Ioannou. A primeira empresa do grupo foi a bem-sucedida easyJet, uma companhia aérea de baixo custo com atuação significativa no mercado europeu. Com esse case, a empresa desenvolveu uma expertise em gestão focada em padronização e controle de custos, além de conhecimento comercial na atração de clientes que são sensíveis a preço.

Através disso, o conglomerado começou a se formar com novas iniciativas como easyBus, easyHotel, easyCoffee, easyGym, entre outros. Todas as empresas mantendo a marca Easy e seguindo a mesma proposta de valor de um serviço low cost.

O easyGroup sintetiza a visão de mercado do grupo com seu slogan “For the many, not the few”. Um exemplo de destaque de padronização de proposta em um conglomerado. (Foto: Divulgação)

Dito isso, conglomerados podem possuir diferentes filosofias na forma de controlar e de administrar suas empresas e agregar valor a elas. Por exemplo, a Procter & Gamble utiliza sua enorme escala para reduzir custos em suas diferentes unidades de negócios e busca implementar uma excelência padronizada em funções gerenciais como contabilidade e gestão de pessoas em todas as empresas.  

Uma abordagem muito diferente é a realizada pela Berkshire Hathaway, conglomerado de investimentos de Warren Buffett. Através de um modelo de gestão “hand off”, a Berkshire Hathaway não se envolve na gestão operacional dos negócios e administra a participação em diferentes empresas autônomas entre si, gerando valor através da sua expertise em investimentos no conselho de empresas.

Pontos de atenção antes de se posicionar em novos mercados

Como ficou claro, não existe uma receita de bolo no processo de desenvolvimento de um conglomerado. Todavia, existem alguns fatores básicos que avalio no processo de assessoria financeira de um empresário que pretende diversificar suas operações.

  • Capacidades do grupo Controlador: Para um conglomerado ser bem-sucedido, é necessário que a empresa possua um entendimento acima da média sobre os mercados e habilidades de desenvolvimento de empresas para que possa ser um guia estratégico confiável das diferentes divisões. Essas capacidades e expertises precisam ser validadas.
  • Retorno sobre o capital: Toda decisão empresarial precisa ter uma avaliação sobre o real potencial de maximizar o retorno para os seus acionistas. Dessa maneira, ainda que a motivação inicial seja um feeling ou o ego do empresário para se envolver em um novo tipo de atividade é somente com o cálculo de viabilidade econômico-financeiro que a decisão pode ser levada para frente com maior segurança.
  • Modelo de alocação de investimento: Através de uma apurada análise econômico-financeira dos projetos, um conglomerado precisa ter disciplina de realizar investimentos considerando o ciclo de vida e a projeção de criação de valor de cada negócio, não caindo na armadilha de investir igualitariamente entre as empresas, desconsiderando o potencial futuro e correndo risco de seguir investindo em divisões de negócio que já estão em declínio.
  • Capacidade de monitoramento: A quantidade de oportunidades de negócios atrativas disponíveis vai tender a ser muito superior à capacidade de uma empresa monitorar adequadamente o desempenho de cada oportunidade.  Quanto mais negócios e mais diversificado, maior a complexidade gerencial e mais elevados os custos de administração do conglomerado. Dessa forma, é preciso saber os limites da administração em acompanhar todas as empresas envolvidas.
  • Processo decisório: Diferentes segmentos de mercado podem exigir diferentes processos de administração e ritmo de decisão empresarial. Por exemplo, uma indústria que atua em um mercado estável e regulado vai possuir uma dinâmica completamente diferente de uma startup dentro de um mercado rodeado de inovação e dinamismo, exigindo decisões bem mais rápidas que a primeira. Uma gestão centralizada do conglomerado pode ter dificuldade para tomar decisões a respeito de ambos os negócios de forma adequada.
  • Blindagem do portfólio empresarial: Mesmo com sólida pesquisa de mercado, estudos de viabilidade e planos de negócios, abrir uma empresa sempre vai representar riscos econômicos. Desse modo, o empresário também precisa estar bem assessorado para estruturar a sua nova operação de forma que um eventual fracasso não contamine financeiramente o restante das suas empresas e patrimônio.

No meu próprio dia a dia busco aplicar esses fatores no planejamento estratégico do Grupo SG, vivendo na prática a experiência das empresas que assessoramos.

O objetivo do artigo, obviamente, não era esgotar o tema da gestão de grupos empresariais, mas introduzir fundamentos de administração que acredito serem úteis para empreendedores em série ambiciosos. 


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Marcelo de Arruda é administrador e economista. Pós-Graduado em Finanças, Investimento e Banking (PUC-RS). Carreira construída no mercado financeiro atuando como executivo em assessoria de investimentos, gestão de portfólio e fusões & aquisições (M&A). É o CEO e sócio-fundador do Grupo SG, que atua com negócios nas áreas de finanças, mídia, alimentação e imobiliário. Também possui três trabalhos acadêmicos em finanças reconhecidos nacionalmente em premiações realizadas por Sefaz-AL (2017), Universidade Mackenzie e IMB (2018) e CFA Society Brazil (2019).

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