A mídia brasileira sempre foi marcada por hegemonia de grupos. Pequenos conglomerados que controlavam mais da metade dos veículos de comunicação relevantes no país.
Com a chegada da internet, o sistema de comunicação passou a contar com novos atores de produção, conteúdos digitais e multiplicidade de fontes de informação. A vantagem desse fenômeno é a redução da concentração de mídia.
Por outro lado, essa dinâmica também intensificou a polarização do ambiente informacional, a partir do momento em que os usuários passam a sentir a necessidade de se posicionarem a favor de X ou Y.
Não raro sítios eletrônicos recebem incentivos financeiros para que divulguem qualquer tipo de informação (e desinformação), no intuito de aumentar seu tráfego e suas receitas.
Parece banal e comum no dia a dia, mas a verdade é que a disseminação de desinformações tem causado impactos disruptivos no meio social.
No contexto da pandemia da COVID-19, por exemplo, a difusão de notícias inverídicas sobre as medidas sanitárias desestabilizam o senso comum e enfraquecem a coesão social necessária para combater a patologia.
A Global Disinformation Index é uma organização sem fins lucrativos sediada no Reino Unido que desenvolveu o Índice de Desinformação Global, avaliador para aferir o risco de desinformação em sites de notícias.
A organização define desinformação como uma narrativa polarizante que impacta negativamente o mundo real[1]. O Índice concluiu que boa parte dos sites publicam conteúdos sensacionalistas e tendenciosos, com capacidade de manipulação pública e, de forma geral, a maioria dos fatores de risco no mercado brasileiro de notícias parece resultar da falta de transparência operacional e da fragilidade de suas normas e políticas editoriais[2].
Para além disso, a hostilidade nas redes sociais é uma característica marcante nesse ambiente, onde haters proferem ataques rotineiramente, desestabilizando jornalistas e meios de comunicação. A proliferação dos discursos de ódio é um risco para a integridade dos direitos de personalidade.
Sob uma perspectiva macro, os riscos para a democracia também são marcantes. Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)[3] tenha negado a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, decidiu que a divulgação de desinformação e fake news por meio de disparos digitais em massa pode caracterizar abuso de poder econômico e informacional, apto a desvirtuar o resultado de processos eleitorais[4].
No julgamento, destacou-se que a atuação mais preocupante da desinformação é a estrutura de uma indústria coletiva. No caso das eleições brasileiras de 2018, envolveu o financiamento indireto de empresários e a contratação de empresas para os disparos em massa, além do uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celulares e a utilização de robôs para envio de mensagens, muitos por meio de provedores localizados no exterior[5].
A desinformação é uma forma de comunicação que consegue manipular comportamentos e ativar gatilhos emocionais.
Esse fenômeno também está ligado à formação de bolhas na internet, onde conteúdos homogêneos, semelhantes e agradáveis ao usuário são reproduzidos, bem como à polarização política que é estimulada a partir disso.
Os algoritmos passam a influenciar o cotidiano de diversas pessoas, operando muitas vezes como uma máquina de predição e criando um universo de informações único para cada usuário, o que impacta na forma como o receptor encara as ideias e informações transmitidas.
Essa dinâmica é estimulada pela sensação de liberdade e de anonimato que a internet alberga. Tal sensação, por sua vez, traduz o efeito de massa e emoção coletiva que a interação online produz. Isso nos ajuda a compreender, afinal, por que as pessoas acreditam em notícias falsas.
Em face desses prejuízos, algumas medidas podem ser tomadas para mitigar os riscos. Recomenda-se, assim, a adoção de padrões jornalísticos e operacionais que tornem transparentes as informações sobre as políticas do site, a publicação das fontes de financiamento, a demonstração de independência editorial e das diretrizes para a realização de correções e políticas para conteúdos criados por usuários[6].
Também se recomenda inclusão de práticas de verificação de fatos e publicação dos créditos de redação das matérias, no intuito de garantir transparência e responsabilidade[7].
O enviesamento e a linguagem sensacionalista também são fenômenos frequentes e que devem ser evitados. A criação de um ambiente informacional mais saudável também pode ser favorecida a partir do uso de fontes diversas e pontos de vistas diferentes, além da mitigação do uso de uma linguagem emocional na divulgação de fatos[8].
A informação tem um papel social. Ela opera socialmente porque permite que os destinatários das mensagens interpretem o mundo de uma forma compatível com seus valores e suas crenças pessoais e funciona, também, ao permitir um posicionamento político[9].
A desinformação, por outro lado, oferece ao destinatário uma visão de mundo falsa, meramente compatível com uma visão de mundo pessoal, sem parâmetro de correspondência com a realidade[10].
Um regime democrático saudável depende da difusão qualificada de informações, a partir das quais os eleitores possam analisar a mensagem e tomar suas conclusões.
A manipulação fraudulenta do fluxo informacional acarreta riscos não somente no âmbito individual mas, principalmente, ao âmbito coletivo, comprometendo o regime democrático. Resta-nos aguardar os rumos informacionais para a próxima eleição, cientes de que o desafio de combater a desinformação se equipara ao desafio de proteger a democracia.
Sugestão de filme sobre desinformação: Rede de Ódio (Hejter) (2020). Direção: Jan Komasa.
[1] GLOBAL DISINFORMATION INDEX; ITS. Avaliação de Riscos de Desinformação: O Mercado de Notícias Online no Brasil. Disponível em: https://itsrio.org/pt/publicacoes/relatorio-avaliacao-de-riscos-de-desinformacao-o-mercado-de-noticias-online-no-brasil/. Acesso em: 17 nov. 2021, p. 4.
[2] GLOBAL DISINFORMATION INDEX; ITS. Avaliação de Riscos de Desinformação: O Mercado de Notícias Online no Brasil. Disponível em: https://itsrio.org/pt/publicacoes/relatorio-avaliacao-de-riscos-de-desinformacao-o-mercado-de-noticias-online-no-brasil/. Acesso em: 17 nov. 2021, p. 9.
[3] AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL 060196880.2018.6.00.0000 – CLASSE 11527 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº 060177128.2018.6.00.0000 – CLASSE 11527 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL.
[4] FRAZÃO, Ana. O mercado da desinformação e suas repercussões sobre a democracia. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/mercado-desinformacao-repercussoes-democracia-03112021#_ftn1. Acesso em: 19 nov. 2021.
[5] FRAZÃO, Ana. O mercado da desinformação e suas repercussões sobre a democracia. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/mercado-desinformacao-repercussoes-democracia-03112021#_ftn1. Acesso em: 19 nov. 2021.
[6] GLOBAL DISINFORMATION INDEX; ITS. Avaliação de Riscos de Desinformação: O Mercado de Notícias Online no Brasil. Disponível em: https://itsrio.org/pt/publicacoes/relatorio-avaliacao-de-riscos-de-desinformacao-o-mercado-de-noticias-online-no-brasil/. Acesso em: 17 nov. 2021, p. 16.
[7] GLOBAL DISINFORMATION INDEX; ITS. Avaliação de Riscos de Desinformação: O Mercado de Notícias Online no Brasil. Disponível em: https://itsrio.org/pt/publicacoes/relatorio-avaliacao-de-riscos-de-desinformacao-o-mercado-de-noticias-online-no-brasil/. Acesso em: 17 nov. 2021, p. 16.
[8] GLOBAL DISINFORMATION INDEX; ITS. Avaliação de Riscos de Desinformação: O Mercado de Notícias Online no Brasil. Disponível em: https://itsrio.org/pt/publicacoes/relatorio-avaliacao-de-riscos-de-desinformacao-o-mercado-de-noticias-online-no-brasil/. Acesso em: 17 nov. 2021, p. 16.
[9] BACHUR, João Paulo. Desinformação política, mídias digitais e democracia: como e por que as fake news funcionam? Revista de Direito Público. Brasília: Vol. 18, n. 99, jul./set. 2021, p. 454.
[10] BACHUR, João Paulo. Desinformação política, mídias digitais e democracia: como e por que as fake news funcionam? Revista de Direito Público. Brasília: Vol. 18, n. 99, jul./set. 2021, p. 454.
Gabriela Buarque é advogada e mestranda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisadora no Projeto Privacy Lab do Centro de Direito, Internet e Sociedade (CEDIS) do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e na equipe de inteligência artificial do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN).