Os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) são, talvez, os ativos mais procurados por investidores que procuram obter renda. Existem uma série de motivos para isso, desde o recebimento constante de dividendos até os benefícios tributários. Mas como todo investimento, existe sempre riscos atrelados ao investidor.
Não é objetivo desta coluna falar aqui sobre riscos financeiros de cada fundo, mas riscos jurídicos das escolhas do investidor. A notificação enviada pela Comissão de Valores Mobiliários ao FII Mérito é um exemplo recente que gerou muita insegurança no mercado, por meio do Ofício nº 106/2021/CVM/SSE/GSEC-1.
Trazendo um resumo da história: em 2018, o fundo comprou, através da empresa Mérito Realty, 67% das ações da loteadora Nova Colorado, localizada em Recife/PE e pertencente à Cipasa Desenvolvimento Urbano, tendo sido esta operação registrada em balanço com a Mérito como controladora da Nova Colorado.
Surgem dois problemas em toda a situação. Esta compra de ações foi feita com a opção de recompra com juros de 2% ao mês, mais semelhante com uma operação de renda fixa, que foi exercida; além de haver Acordo de Voto que determinava que deveria a Mérito efetuar reuniões prévias com a Cipasa para direcionar os votos e isto a vincularia no momento da assembleia.
A CVM interpretou então que esta operação não era uma aquisição de ações, mas um empréstimo em que as ações eram dadas meramente como garantia. O grande problema é que os fundos de investimento imobiliário não podem receber ou tomar empréstimo, o que tornaria a operação irregular.
Além disto, avaliou que houve irregularidades nas demonstrações da Novo Colorado, com uma suposta mudança dos dividendos no balanço, saindo da coluna “dividendos a pagar” (passivo, entrando como uma subtração no resultado contábil) para “reserva de dividendos” (patrimônio líquido, entrando como uma soma no resultado contábil), o que gerou um aumento de R$ 59,3 milhões no resultado contábil do Fundo.
O Fundo nega qualquer irregularidade, afirmando que detinha o controle sem participação da Cipasa e que esta alteração dos dividendos no balanço não geraram uma melhora no balanço, afirmando que a reserva especial também seria um passivo da empresa.
Do ponto de vista jurídico e contábil, as alegações da CVM parecem ser mais condizentes. A pergunta que fica é: até que ponto essas supostas irregularidades podem afetar a vida do investidor – sem entrar no mérito de prazos processuais ou outras tecnicalidades?
Um aspecto que devemos inicialmente analisar é que a CVM está determinando exclusivamente o refazimento de demonstrações financeiras. Mesmo que o FII Mérito opte por não responder administrativamente a notificação, o máximo que poderia ocorrer é ele ter que regularizar os balanços.
Não se trata, portanto, de uma punição por parte do órgão regulado, com efeitos mais graves como multas ou até mesmo suspensão de negociação de quotas, algo que inclusive já ocorreu anteriormente com o FII Mérito, considerando à época que existiam suspeitas de esquema de pirâmide ao se pagar uma quantia que simulava renda fixa (vício este que a CVM considerou sanado e encerrou a suspensão), não sendo juridicamente uma situação tão complexa.
O que pode haver é o risco de multa no caso de não ser obedecida a determinação, que tem como prazo limite a data de 30 de novembro.
Só que pode surgir outra preocupação de ordem financeira para o investidor: se os balanços estavam sendo supostamente aumentados, esse refazimento deles pode impactar nos dividendos?
Para compreender melhor este impacto, é importante também avaliar o Termo de Compromisso feito entre a administração do fundo e a CVM, que entre outras medidas, tinha o comprometimento que as distribuições de dividendos se dessem pelos resultados operacionais do Fundo.
Em tese, estes problemas no balanço não teriam o condão de gerar um impacto tão grande nos resultados operacionais do Fundo, baseados em sua capacidade de gerar dividendos, mas a extensão total da situação apenas poderá ser compreendida quando o novo balanço for entregue, com as alterações propostas pela CVM.
Por óbvio, estamos aqui falando apenas dos aspectos jurídicos da situação, que podem servir para a tomada de decisão sobre o FII Mérito enquanto investimento. Um investidor pode, com base em todo o exposto, avaliar que com os riscos existentes é melhor procurar alocar seus recursos em outros fundos ou considerar que esta é uma boa oportunidade de mercado para aportar mais recursos neste Fundo.
O auxílio jurídico nestas situações serve para mapear os riscos envolvidos e probabilidades de que eles se materializem. É através deles que podemos ver os prós e contras de quaisquer negócios, não estando as escolhas de investimento excluídas disto.
Não é papel do advogado dizer o que o empresário deve fazer, mas alertar a ele o que pode ocorrer caso ele tome determinada decisão. Seja por meio de análises próprias ou procurando especialistas no assunto que possam o assessorar.
Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.