A A24 é uma produtora americana de cinema fundada no ano de 2012 através da parceria entre Daniel Katz, David Fenkel e John Hodges.
O trio atuava em frentes distintas do mercado cinematográfico e decidiu unir esforços para a criação da empresa, que estreou exclusivamente como distribuidora.
O pontapé foi dado com o investimento semente da boutique Guggenheim Partners, e tinha como intuito focar em projetos que estivessem fora do perfil convencional do cinema americano, numa faixa de baixo ou médio orçamento e em filmes de caráter independente, perfil que dificilmente chamava atenção das grandes distribuidoras do país por não serem vistos como lucrativos.
A atuação inicial tinha como foco a distribuição para salas de cinema e os primeiros sucessos comerciais se deram em 2013, com filmes como Bling Ring, de Sofia Coppola, e, principalmente, com Spring Breakers, de Harmony Korine, que com um orçamento de apenas US$ 6 milhões alcançou uma bilheteria superior a US$ 31 milhões.
Ainda no fim de 2013 o crescimento foi alavancado por duas parcerias: primeiro com a DirecTV Cinema, em acordo de US$ 40 milhões condicionado a uma exclusividade de 30 dias de stream das obras anterior ao lançamento no cinema; segundo com a Amazon Prime Video, garantindo a publicação dos filmes na plataforma logo após os lançamentos em DVD e Blu-Ray.
A qualidade dos projetos investidos pela distribuidora continuou a progredir, trazendo filmes cada vez mais premiados e aclamados nos circuitos tradicionais de cinema, como Ex-Machina (2015), The Lobster (2015), O Quarto de Jack (2016) e o documentário Amy (2015).

No ano de 2016, a distribuidora dá um grande passo e torna-se finalmente produtora de filmes, abrigando assim os processos iniciais de concepção e execução das obras, dando início a um catálogo de sucesso estratosférico.
O primeiro filme produzido não poderia ter alcançado um posto de mais destaque. Moonlight (2016) foi desenvolvido com um orçamento de US$ 4 milhões, alcançando uma receita de US$ 65 milhões e conquistando o Oscar de melhor filme naquele ano. A partir daí a produtora emplacou diversos sucessos e até o ano de 2021 já conquista 31 indicações aos Academy Awards.
Esse desempenho proporcionou projetos cada vez mais ambiciosos e imaginativos, e grandes atores e diretores do cinema mundial criaram fortes laços com a produtora. O foco da A24 permanece o mesmo: filmes de baixo ou médio orçamento, de qualquer gênero e com um ponto em comum: a liberdade criativa irrestrita para seus criadores, sem apego às fórmulas.
Suas melhores receitas se deram com Hereditário (US$ 81 mi), Lady Bird (US$ 79 mi), Moonlight (US$ 65 mi), Uncut Gems (US$ 50 mi) e Midsommar (US$ 47 mi), e a produtora também passou a investir em produções televisivas.
Nesse ano de 2021 foi especulada a possibilidade de compra do estúdio por parte da Apple, numa transação que poderia chegar ao valor de US$ 3 bilhões.
Mas como uma produtora que não estava sob o guarda-chuva de nenhum gigante do cinema tradicional parte de um investimento semente para se tornar um dos maiores estúdios independentes do mundo?
O mercado de cinema alternativo que a A24 atua sempre foi visto como um nicho arriscado e com muitas chances de ruína comercial. Como eles prosperaram subvertendo o que se entendia como lucrativo na indústria que atua?
Como a A24 deu certo em um mercado de nicho
Um ponto importante, naturalmente, é o processo da escolha de bons projetos e cineastas parceiros com uma relação de confiança para o exercício da liberdade criativa plena.
Profissionais talentosos do cinema sabem que podem encontrar no estúdio um terreno fértil para contar histórias de formas não convencionais, testando, experimentando e buscando novos limites na criação de obras.
Mas esse é só um dos elementos para o êxito da produtora. Não basta criar bons filmes e a A24 obviamente não inventou o mercado de filmes alternativos. O seu sucesso comercial se deu em saber vendê-los.
O público para as obras desenvolvidas pelo estúdio sempre existiu, seus criadores tinham consciência de que o fator que tornava filmes independentes não-lucrativos não era a falta de consumidores. O ponto crucial da fórmula da A24 foi entender que essas produções não estavam conseguindo chegar a essas pessoas de forma eficiente.
Esse público estava ávido para consumir, mas o processo comercial dificilmente era formatado para conquistar esse espaço. A dinâmica de lançamento, divulgação, escolha de salas e canais de distribuição para a promoção de filmes desse tipo não poderiam seguir a mesma fórmula de megaproduções de Hollywood. O mercado de nicho deve envolver também estratégias de venda de nicho.

Diretores talentosos sabem que podem seguir fórmulas não convencionais e que a A24 fará o melhor trabalho possível para levar esse produto a quem quer consumi-lo. E para isso, além de um entendimento profundo do mercado, a produtora usa também ferramentas mais complexas.
A empresa utiliza de agências de inteligência de mercado e marketing com soluções engenhosas para atuar nas redes sociais, como por exemplo a Operam, startup de coleta e processamento de dados que desenvolve algoritmos para marketing direcionado, e a agência de publicidade Watson Digital Group, com expertise em estratégias publicitárias sofisticadas para o mercado de mídia e entretenimento.
Mas um dos pontos de maior relevância é a utilização dessas ferramentas com um objetivo final: a criação de uma comunidade de entusiastas. Assim como outros nichos, é importante criar elementos que permitam aos fãs e consumidores se sentirem parte de um grupo, estimular a comunicação entre eles, fomentar uma identidade e um processo de identificação com a produtora e os seus valores, fortalecendo e perpetuando a relação de confiança com o público.
E a A24 vai fortalecendo esse relacionamento através pequenas ações eficientes: faz podcasts recebendo os artistas envolvidos nas obras, venda de produtos criativos de edição-limitada dos filmes, criação de plataformas e perfis distintos para a comunicação com os fãs e ações publicitárias inusitadas para cada perfil de público.
A partir disso, essa relação vai se fortalecendo também de forma orgânica, os fãs e entusiastas criando fanpages independentes (como a @A24Brasil) e cada lançamento da produtora vai sendo alvo de expectativas, debates e discussões em todos os fóruns e redes sociais que tratam de cinema.
Assim, com menos de 10 anos de existência e um enorme e bem-sucedido catálogo de produções, a A24 mostra que há um caminho para crescer comercialmente desafiando convenções da indústria, e que não há problemas em empreender com produções de nicho. O desafio é ter a criatividade equivalente para levar o produto a quem quer consumi-lo.
João Paulo Ramalho atua como advisor de Fusões e Aquisições na SG Capital. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC Minas. Secretário-geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB/AL.