A incorporação imobiliária é uma atividade empresarial e, como tal, tem por objetivo a maximização dos lucros e a redução do risco.
Nessa conjuntura, a Sociedade de Propósito Específico (SPE) ganha destaque como um importante mecanismo jurídico para o sucesso do empreendimento imobiliário. Nesse texto abordaremos as aplicações desse modelo societário na construção civil.
Administrar uma incorporação imobiliária através de uma SPE requer romper com antigos conceitos e analisar as obrigações entre os participantes, visando o exercício da atividade da forma menos onerosa possível e permitindo a continuidade da atividade empresarial.
a) Registro do Memorial de incorporação através da SPE:
O registro do memorial de incorporação muitas vezes se torna uma etapa demorada e burocrática, em razão do número de documentos exigidos.
Uma vez que a SPE é uma sociedade constituída para um propósito específico, fim este que praticamente se inicia com o registro do memorial de incorporação imobiliária, tal empresa, apesar de constituída ainda não teve atividade e vínculos fiscais e obrigacionais com terceiros capazes de positivarem suas certidões.
Isso não implica risco ao empreendimento, investidores ou adquirentes das unidades autônomas, uma vez que a SPE incorporadora, por ser sociedade autônoma e dotada de personalidade jurídica, possui patrimônio próprio, distinto de seus sócios; assim, em um eventual problema com estes, atingirá somente suas respectivas quotas no capital social, não comprometendo o patrimônio social.
b) A SPE LTDA como facilitador da captação financeira para o empreendimento:
Imagine um pequeno ou médio incorporador que, da forma tradicional, lança uma incorporação imobiliária de 10 apartamentos, no regime de preço global, sendo o valor de venda de cada unidade de R$ 300 mil.
Determinada pessoa procura o incorporador ainda na fase inicial para, desejando fazer parte do negócio, investir no empreendimento, dispondo, porém, de uma quantia de apenas R$ 100 mil para, ao final da construção, auferir o lucro especulativo da mais valia e da valorização imobiliária ao longo do período de obra.
Como proceder? Dispensar o investidor, uma vez que R$100.000,00 não são suficientes para adquirir uma unidade? Alienar 1/3 (um terço) de determinada unidade a ele? Como ficaria a liquidez dos outros 2/3 (dois terços) desta unidade no mercado aberto?
Pensando nesta situação em uma incorporação gerida através de uma SPE, na qual se transfere a propriedade do terreno a ela, seja por compra e venda, seja por integralização de capital, legitimando-a a incorporar, conforme a alínea a do art. 31 da Lei nº 4.591/64, a SPE passa a ser a incorporadora do empreendimento, assumindo o antigo incorporador o status de sócio administrador da mesma.
Dessa forma, basta ele ceder ao investidor quotas do capital social da SPE que representem o valor de R$ 100 mil no total do negócio (seja um percentual do custo de construção, seja um percentual do valor geral de vendas, ou qualquer outro critério a ser estabelecido), e este, na qualidade de sócio não administrador, estará obrigado por vínculo societário a realizar o aporte do capital na sociedade.
Ao final do negócio, com a venda das unidades aos consumidores finais, a SPE fatura o valor arrecadado, recolhe os impostos e distribui entre seus sócios o respectivo resultado na proporção das quotas do capital social. Observam-se, assim, benefícios mútuos.
Para o incorporador, tal operação permitiu a captação de recursos de forma célere e simples, conferindo dinamismo e segurança econômica à realização do empreendimento.
Para o investidor, permitiu alcançar os fins desejados trazendo-lhe também uma redução dos custos de transação, pois, como não adquiriu o bem, não há fato gerador de ITBI e transmissão de propriedade (escritura pública e registro), mas apenas uma alteração contratual a ser elaborada e registrada no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial).
c) A SPE LTDA como forma de adoção de regime tributário diferenciado:
A partir de 1º de janeiro de 2014, através do art. 7º da Lei nº 12.814/13, o caput do art. 13 e o inc. I do art. 14, ambos da Lei nº 9.718/98, que dispõe acerca da opção e da obrigatoriedade do regime de tributação dos impostos federais das pessoas jurídicas (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – IRPF, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, Programa de Integração Social – PIS e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS) pelo lucro real ou lucro presumido.
Analisando tal aspecto sob a ótica do planejamento tributário, a opção pelo regime de lucro presumido poderá ser mais benéfica para empresas que geram um lucro mais expressivo com o exercício da atividade de incorporação imobiliária, ou seja, receita bruta muito superior aos custos e despesas para a produção das unidades autônomas, ao passo que aquelas que possuam uma lucratividade inferior a opção pelo regime de lucro real poderá ser mais benéfica.
Uma vez que a SPE LTDA é sociedade autônoma, dotada de personalidade jurídica e com regime tributário próprio, isoladamente considerado e apartado de seus sócios e suas atividades, é possível, previamente ao início do exercício da atividade, constituir uma SPE LTDA para figurar como incorporadora do empreendimento, e esta, auferindo receita bruta inferior ao limite legal, optar pelo regime de lucro presumido.
O momento atual do mercado imobiliário brasileiro requer um cauteloso planejamento dos custos de transação nas incorporações imobiliárias, fundamental para a obtenção dos resultados almejados.
A sociedade empresária limitada de propósito específico é uma eficaz forma de maximizar a segurança jurídica do incorporador, dos investidores, dos adquirentes das unidades autônomas, dos agentes financiadores, ou seja, de todos os polos integrantes da relação produtiva.
Além disso, é capaz de reduzir custos, seja na incorporação imobiliária ou em qualquer outra atividade empresarial; basta conhecer seus mecanismos e moldá-los à atividade exercida.
Charles Vieira é advogado na área empresarial, com foco no setor imobiliário, graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, com especialização em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Direito Imobiliário pelo EBRADI/SP e Mestrando em economia e mercado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente exerce a função de Assessor Parlamentar, para assuntos tributários, na Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas.