Por que a digitalização da economia não é só venda online

(Foto: Photomix/Pexels)

O poder de escala que a internet e seus serviços digitais dão aos negócios é certamente muito impressionante. No entanto, algumas empresas têm aproveitado para surfar nessa ‘onda tech’, adotando pequenas práticas, como e-commerce, sem de fato transformar sua operação e se apresentando como empresa de tecnologia.

Isso porque o mercado vem tendo uma certa complacência com negócios que se descrevem como tech.

Como essas empresas possuem taxas de crescimento de base de clientes e de lucro bastante aceleradas, os investidores aceitam pagar um múltiplo de Preço das Ações/Lucro Líquido da Companhia muito alto.

Ou seja, a valuation de uma empresa tech possui um múltiplo de preço/lucro muito inflado quando comparada a uma empresa de um setor tradicional que não consegue crescer tão rápido. Com isso, os investidores têm mais paciência em aceitar que a geração de caixa dessas empresas esteja mais num fluxo futuro do que no presente.

(Foto: Crazyegg)

No entanto, algumas empresas têm surfado nessa onda para se apresentarem ao mercado como tech, mas dar uma roupagem de empresa de tecnologia.

Como mencionou o CEO da Companhia Assaí, Belmiro Gomes: “O que temos visto é o que chamamos de make-up digital, que é vestir operações existentes, que funcionavam tranquilamente, com uma cara de digital para parecer moderno”, em matéria do portal NeoFeed.

O Assaí Atacadista divulgou que não está entre as suas prioridades expandir o e-commerce, isto porque o varejo alimentício conta com especificidades logísticas que adicionam muita complexidade à operação.

Isto não quer dizer que a companhia ignora ou rejeita o caminho da digitalização, pelo contrário, a companhia está investindo na adoção de tecnologia e uso de dados para melhorar a experiência de compra no ponto de venda físico, ao passo que entendem melhor o comportamento do consumidor.

Eles compreenderam, por exemplo, que a maior parte da sua base é formada majoritariamente por pessoa física que passou a fazer feira no atacarejo, em menor frequência, maior quantidade e em busca de preço.

Conseguiram também identificar o perfil de compras de cada loja, consequentemente adequando a quantidade de SKU´s (Stock Keeping Unit´s, em inglês, a quantidade de itens diferentes em estoque), gerando maior eficiência.

Vender online ou ter um e-commerce, meramente, não significa que estamos falando de uma startup ou empresa de tecnologia que possui uma solução inovadora com alto potencial de escala e um grande mercado endereçável.

Se você possui um e-commerce, mas todo o processo de venda e recebimento do pedido é manual, não há ganhos significativos com a adoção da tecnologia, pois o processo continua manual. É o mesmo caso da escola que troca o quadro-negro pelo projetor de imagem: a estrutura não muda em nada, apenas a forma.

Um case interessante de digitalização é o da Chilli Beans: durante a pandemia e a corrida ao e-commerce, eles passaram a comissionar o franqueado e vendedores das lojas físicas pelas vendas on-line, alinhando, assim, as perspectivas da companhia com os demais parceiros.

Além disso, a empresa possui uma inteligência artificial que auxilia cada franqueado a montar pedido de acordo com seu histórico de venda. Segundo o CEO da Chilli Beans, Caito Maia, enquanto as óticas tradicionais trabalham com estoque para 6 meses em média, os franqueados da Chilli Beans têm estoque para 2,5 semanas, devido a essa personalização que, segundo ele, é essencial ao varejo.

Excessos

Toda a lógica de adoção de tecnologia, uso de dados e digitalização de processos deve ser usada para deslocar a mão de obra humana de trabalhos manuais e repetitivos para trabalhos mais complexos e que requerem habilidades mais humanas (!).

O vendedor deixa de ser o anotador de pedidos e passa a ter um papel mais consultivo, o advogado deixa de ser o digitador de petição e passa a ser o pacificador de conflitos, ou seja, a adoção de tecnologia deve servir para deslocar a competência humana para onde a atividade requer um papel mais complexo e que a máquina não conseguiria entender bem.

Porém, excessos vêm sendo cometidos nessa transição. Uma empresa chamada XSolla demitiu 150 funcionários de seu escritório meramente por uma recomendação de sua inteligência artificial.

Essa área de gestão de talentos e pessoas é justamente onde se necessita uma compreensão humana da atividade. Um excelente funcionário pode não estar performando bem por conta de um problema pessoal temporário, falta de estímulo ou ir mal em uma atividade específica.

Adotar uma tecnologia ou tendência só porque está na moda não parece ser o melhor caminho. Uma posição estratégica requer consistência no longo prazo: as pessoas precisam reconhecer aquele perfil de empresa quando olham sua marca. Adotar mudanças com agilidade, muitas vezes significa também abandonar posições com facilidade também.

A implementação de uma diretriz estratégica, portanto, deve ser coerente com seu posicionamento empresarial. Não se deve seguir uma mudança de mercado se ele não faz sentido dentro da sua cultura e posicionamento de marca.

Ainda mais, quando sabemos que dentro do planejamento empresarial os recursos e talentos da equipe são escassos e a tomada de decisão deve levar em conta os usos alternativos dos recursos. Por isso, recomenda-se a criação de um bom plano de negócios com visão de longo prazo para guiar as ações da empresa.


João Felipe Jucá é assessor de M&A e sócio fundador da SG Capital. Advogado com pós-graduação em direito empresarial e presidente da Comissão de Direito empresarial da OAB-Alagoas.


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