Se a procura por investimentos além da poupança é um fenômeno relativamente recente para os brasileiros, investimentos no exterior podem ser considerados então como algo quase de outro mundo.
Mesmo assim, o novo cenário de taxa de juros baixo, aliado ao aumento de incertezas no Brasil, já desperta o alerta e o interesse por uma alocação global de portfólio.
Porque investir no exterior?
Em termos conceituais, a principal razão que nos deve levar a buscar diversificar globalmente nossa carteira não é meramente a busca por maiores retornos, mas sim diversificá-la em um nível estratégico que proporcione uma melhor relação entre risco e retorno. Ou seja: o maior retorno ponderando os riscos apresentados em sua estratégia.
A pandemia do covid-19 foi provavelmente o grande alerta, seja para gestores profissionais ou investidores pessoas físicas, sobre a importância de um portfólio global.
Mesmo em cenário de risco sistêmico, o qual atinge quase que indiscriminadamente todas as classes de ativos e mercados globais, a velocidade de recuperação de cada país foi totalmente desigual, uma vez que os policy makers encararam a pandemia de formas diferentes, uns com medidas mais eficientes no enfrentamento do vírus, outros com menos.
Assim, do ponto de vista conjuntural, investir globalmente te permite acessar mercados que reagem melhor mesmo em cenários de risco sistêmico.
Se começamos a olhar para o mercado lá fora por conta dos juros baixos em território nacional, o porquê de demorarmos tanto para ‘desbravar o mundo’ é também o mesmo: os juros praticados no Brasil são historicamente muito altos. Ou seja, havia uma certa comodidade em investir somente no Brasil já que as taxas de retorno oferecidas pelos títulos públicos eram absurdamente atrativas.

Principalmente na década de 90, era possível obter retornos reais de cerca de 20% ao ano somente investindo em títulos públicos brasileiros.
Pode-se dizer que o investidor brasileiro estava acomodado com os investimentos em renda fixa, não tendo qualquer estímulo ou provocação que o fizesse buscar outra alternativa. Ou seja, havia um grande custo de oportunidade, uma falta de incentivo para que o investidor local buscasse uma alocação globalizada.
Historicamente falando, aqueles que investiam no exterior o faziam, na maioria das vezes, porque tinham objetivos que envolviam despesas em dólares, tais como: morar fora do país, custear educação no exterior, trabalhavam com importação ou exportação, dentre outras situações. De qualquer modo, era uma prática reservada a uma absoluta minoria do mercado.
Contudo, com a queda da taxa de juros, os investimentos atrelados a ela vêm sendo utilizados como instrumentos de reserva de liquidez, e não mais vistos como fonte de altos retornos. Assim, surge a necessidade de buscar alternativas para servir como a função de ativos geradores de retorno no portfólio de investimentos.
Porque só agora?
Além da queda da taxa de juros no Brasil, as mudanças regulatórias também serviram como grande estímulo para aumentar o interesse pelos investimentos globalizados. Nos últimos anos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem flexibilizando as normas que tratam sobre o tema.
Desde setembro de 2020 é possível a negociação de Brazilian Depositary Receipts (BDRs) – títulos emitidos no Brasil que representam valores mobiliários no exterior – por qualquer investidor da B3. Anteriormente os BDRs eram uma alternativa reservada apenas a investidores qualificados. A própria alteração normativa veio em resposta à crescente demanda por diversificação global dos portfólios.
Ou seja, a conjuntura de mudanças normativas, baixa taxa de juros no Brasil, maior acessibilidade aos ativos globais, o aumento da competitividade no mercado de corretoras de investimentos e a alta histórica do dólar frente ao real são os elementos que servem de base para o ‘despertar’ dos investidores pela busca do portfólio globalizado.
Home Bias
Existe um fator comportamental que, independente das questões conjunturais, nos faz preferir investir localmente, que é o chamado home bias, que pode ser traduzido como o ‘viés da casa’.

De acordo com pesquisa realizada pela Charles Schwab em 2016, não importa onde vivem, de modo geral, os investidores sobrepesam em seus portfólios investimentos em seu país de origem.
Ao observar o gráfico, pode-se dizer que esse viés é maior de acordo com a taxa de juros local de cada um dos países listados, aumentando o custo de oportunidade para investir no exterior.
Menos burocracia e mais alternativas
Em julho de 2020, o Conselho Monetário Nacional (CMN) realizou uma mudança importante, tornando o processo de transações ao exterior menos burocrático.
As principais alterações foram com relação à ‘nota de corte’ que o Banco Central (BC) exigia para monitorar as operações de remessas internacionais.
Antes da mudança, qualquer operação acima de 10 mil reais deveria ser declarada ao BC, bem como aqueles que possuíssem a partir de 100 mil dólares em patrimônio no exterior eram obrigados a preencher a Declaração Anual de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE).
Com a mudança, agora apenas operações acima de 100 mil reais são monitoradas pelo BC, bem como, para ser necessário declarar o patrimônio no exterior através da CBE, é preciso ter um valor acumulado de pelo menos 1 milhão de dólares.
Em paralelo a essas medidas desburocratizantes, vemos também um maior número de alternativas a estes investimentos. Em linhas gerais, hoje é possível investir no exterior através de opções como:
- BDRs e ETFs com alocação internacional (exchange-traded fund) negociados na bolsa de valores brasileira (B3);
- Fundos de investimentos no Brasil com alocação no exterior;
- Fundos de investimento offshore;
- Estruturação de empresa offshore para investimentos globalizados;
- Abertura de conta em corretora ou banco internacional que permita negociar ativos de bolsa;
Assim, essa combinação de redução do custo de oportunidade com a queda histórica da taxa de juros, a desburocratização dos processos para operações de câmbio, aliadas à ampliação do leque de alternativas possíveis para acessar os mercados internacionais são os elementos de uma combinação poderosa que resultam no crescimento do interesse dos brasileiros por uma alocação global.
Arthur Stuart é formado em Direito, sócio-fundador do Grupo SG e Assessor de Investimentos e Correspondente Cambial, atuando no mercado financeiro desde 2019.