Parecia ser uma segunda-feira como qualquer outra. Até que, próximo da hora do almoço, os serviços do Facebook saíram do ar. Não só da rede social Facebook, como os aplicativos WhatsApp e Instagram também. A ponta de um problema que ocasionou lentidão em uma série de outros serviços na internet durante horas.
Solucionada a situação, a empresa relatou que uma configuração errônea do roteador backbone (espinha dorsal de toda a rede) cortou a conexão do Facebook com a internet. Durante o tempo que saiu do ar, era como se as redes sociais não existissem.
Essa breve introdução de um fato público e notório ocorrido no dia 04 de outubro de 2021 serve para gerar uma breve reflexão sobre riscos: aqueles imprevistos que podem a qualquer momento ocorrer e impactar negativamente na geração de valor do seu negócio.
A gestão de riscos é um elemento fundamental na análise de qualquer negócio. É através do mapeamento das etapas de seus processos que você pode descobrir onde os problemas podem surgir, formas de evitar e, caso ocorram, como os contornar para que as empresas consigam atingir maturidade.
Nenhum planejamento é perfeito. Basta ver o exemplo do Facebook, uma das empresas com mais recursos do mundo e que um risco de ter uma estrutura centralizada de roteador acabou por gerar esse problema que durou horas para ser resolvido.
Não só o imprevisto ocorreu como o tempo de resolução dele não foi considerado satisfatório, com uma queda de 5% das ações da empresa e perda de US$ 7 bilhões da fortuna pessoal de Mark Zuckerberg em poucas horas.
Se uma empresa desse porte pode cometer falhas em sua gestão de riscos, o problema se torna ainda maior para empresas menores.
Precisamos nem ir longe. Vamos fazer um exercício mental e imaginar uma empresa que atraia o cliente por meio do Instagram (canal de marketing) e efetue a venda diretamente pelo WhatsApp (canal de vendas).
É uma estrutura que a internet possibilitou e que pode criar empresas de faturamento considerável e estrutura simples, com poucos gastos. Infelizmente, é uma empresa que não teve um bom dia para seus negócios.
Aqueles que foram lesados podem procurar apoio jurídico e travar uma batalha judicial com o Facebook alegando que a falha no fornecimento dos serviços da empresa gerou perdas patrimoniais. Considero inclusive uma ação com boas chances de êxito.
Mas terá que, para isso, contratar advogado, estimar as perdas, elaborar a tese, acionar o Judiciário, ir para audiências, ter que arcar com custas do processo, com possibilitada até mesmo de recurso em uma extensa via recursal cheia de instâncias, toda uma série de percalços que são negativos, mesmo com um sucesso da demanda.
Mais efetivo que isso seria uma análise prévia sobre os riscos de ter apenas dois canais de comunicação que estão ligados à mesma empresa. Uma possível solução seria procurar outras formas de se comunicar com o cliente para evitar que um risco como o ocorrido impacte no negócio.
Claro que estamos falando de um risco que, mesmo se fosse diagnosticado, seria tido como remoto. Ninguém iria esperar que o Facebook deixaria de funcionar por muitas horas. Contudo, esse exemplo é bom por ter sido notório e servir como ponto de partida para a discussão. É impossível operar uma empresa sem risco, a questão é saber como gerir ele.
O jurídico é um ótimo companheiro para diagnóstico de riscos. Afinal, o advogado da empresa lida com problemas dela todos os dias.
O que acontece é que muitas empresas ainda possuem a cultura de contratar advogados para resolver problemas imediatos. Se está com muitos problemas trabalhistas, por exemplo, contrata advogados para lidar diretamente com os processos judiciais e, assim, reduzir ao máximo esse passivo.
É sem dúvidas uma forma de atuar. Só que na minha opinião não é a mais efetiva.
Uma análise mais aprofundada poderia diagnosticar quais os principais pedidos em reclamações trabalhistas e possíveis formas de resolver esse problema na empresa. No exemplo citado, poderia perceber que, na maioria dos processos, se pedem horas extras, verificar como se dá a gestão de horas extras dos funcionários e pensar em formas de resolver.
A curto prazo teria que gastar com os processos que estão ocorrendo e ter custos associados com a resolução do problema. Mas, mudar esse ponto negativo na gestão da empresa trará não só economias processuais, como uma melhora no ambiente de trabalho, já que os funcionários não precisarão ter que alongar seu expediente ou, mesmo se tiverem que fazer isso, saberão que irão receber o pagamento adequado.
Não estou aqui querendo culpar os advogados que lidam com os litígios, até porque já trabalhei em muitos casos em que fui contratado de forma operacional para resolver determinado problema e sequer tinha autonomia ou dados suficientes para pensar de forma mais estratégica.
É muito mais uma questão de mudança na cultura empresarial do que uma busca por culpados. Ver o jurídico como um elemento essencial para a gestão da empresa como um todo, e dar a ele autonomia para diagnosticar problemas, os entregando ao gestor, e gerar soluções através de uma atuação conjunta com as áreas mais diretamente ligadas ao problema.
Retira-se, assim, do jurídico, a função meramente operacional e ele passa a ser visto como um canal estratégico para a empresa.
Ao mesmo tempo, para os advogados que lidam com empresas, isso abre todo um leque de atuação não só focado em litigioso, mas uma consultoria que integra o jurídico com os problemas organizacionais da empresa.
Para isso, obviamente, os advogados terão que ter cada vez mais uma postura de executivo, aliando o conhecimento do Direito com o estudo sobre métodos de gestão.
Meus exemplos são do jurídico por ser de onde vem minha experiência, mas essa visão poderá ser implementada por qualquer área do seu negócio. Afinal, os responsáveis por qualquer área do seu negócio sabem mapear quais são os problemas que eles têm que lidar diariamente.
Em muitos casos, os riscos não poderão ser evitados, seja porque não poderiam ter sido previstos (como a pane de todas as redes sociais de uma das maiores empresas do mundo) ou até mesmo encontrar riscos que percebam que não podem ser solucionados, seja por existirem urgências maiores ou até não existir dinheiro ou tempo hábil na empresa para resolver a demanda.
É só com análise adequada que uma empresa poderá perceber quais riscos são inaceitáveis e quais poderão ser assumidos. Olhando esse elemento, seu negócio poderá ter essa compreensão e, com isso, ter mais maturidade e gestão mais efetiva, contornando aquilo que pode ter um maior impacto e assumindo riscos calculados que são necessários na vida de qualquer empreendedor.
Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.