O que a Saraiva pode nos ensinar sobre a Recuperação Judicial?

(Foto: Humberto Souza/Saraiva)

A Livraria Saraiva, por muito tempo, foi, no imaginário popular, o sinônimo de livraria bem-sucedida. Com mais de um século de existência, lojas deslumbrantes e mais de cem pontos físicos, era impossível um leitor, em algum momento, não se utilizar da livraria para suas compras.

Impressão de sucesso esta que apenas aumentou com a compra da rival por R$ 60 milhões, em 2008. Seria difícil um acionista da Saraiva não imaginar que viria um futuro brilhante pela frente.

Infelizmente, as maiores qualidades da livraria foram o que causaram seu declínio. Ao apostar em lojas físicas de alto custo (Megastores), em vez de fazer mais investimentos na estrutura digital, a livraria chegou, em 2018, a uma dívida de R$ 595 milhões.

Foi quando requereu sua recuperação judicial em novembro do mesmo ano, tendo esta sido aprovada em poucos dias.

Em virtude da grande popularidade da livraria e ter o caso se tornado público, é um bom local para retirarmos ensinamentos sobre a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/05). 

O primeiro passo aqui é tratarmos a diferença entre os institutos que a Lei trata. A falência ocorre quando a empresa não é considerada viável, ocorrendo, assim, a liquidação do seu patrimônio para pagar os credores, enquanto a recuperação judicial visa viabilizar a saída da empresa da crise, pagando os seus credores e continuando após isto a sua atividade produtiva.

Para isto, a empresa deve elaborar um Plano de Recuperação Judicial, com base nos credores que habilitaram seus créditos, devendo estes credores aprovarem o plano. Ou seja, aqueles que a empresa se encontra em dívida devem considerar que a melhor opção dentro do caso concreto é essa tentativa de continuidade.

Os credores que devem aprovar este plano se dividem em quatro categorias na seguinte ordem de preferência: credores trabalhistas no limite de até 150 salários-mínimos, credores com garantia real, credores que sejam consideradas Microempresas (ME) ou Empresas de Pequeno Porte (EPP) e credores quirografário (que não possuem nenhum privilégio, sendo a hipótese que se enquadra a grande maioria dos credores).

O Plano de Recuperação Judicial da Saraiva foi aprovado, indicando assim que os credores enxergaram que a tentativa de continuidade da empresa era melhor que a liquidação. Entretanto, um dos maiores credores da livraria, a empresa de tecnologia Infosys, contestou judicialmente o plano.

O plano de recuperação judicial deu aos credores a possibilidade de receber o valor da dívida com deságio de 80% (ou seja, apenas 20% da dívida), a ser pago por meio da venda das unidades produtivas (lojas e site) da livraria, em conjunto ou isoladamente. Outra possibilidade era receber o valor integral em um plano de pagamento até 2048, com juros remuneratórios de 0,5% ao ano.

Algo que deve aqui ser enfatizado é que essa venda de unidades produtivas é blindada de dívidas, ou seja, o comprador não terá que arcar com nenhum ônus pretérito da empresa, assumindo apenas os riscos daqui por diante. Desde o ano passado, inclusive, existe até a possibilidade da venda integral da empresa com esta garantia, desde que respeitados os direitos dos credores extraconcursais (dívidas após a recuperação judicial).

Esta é uma estratégia de continuidade da empresa, podendo ao mesmo tempo fazer com que ela funcione sob a visão de um novo comprador que está adquirindo ela livre de ônus, enquanto conseguirá com a venda fazer o caixa suficiente para arcar com as dívidas pretéritas.

Esta tentativa de venda ocorreu por três vezes, com três editais públicos distintos e não se conseguiram compradores. Mesmo com os diversos benefícios que a Lei determina, ainda assim o modelo de negócios da Saraiva não atraiu nenhum investidor.

A Saraiva elaborou um novo plano, que consistia em tentar pagar os credores. Neste, os credores que optaram pelo deságio seriam pagos em ações da empresa, que nesse momento já está com riscos de não continuidade bem acentuados.

Para aumentar o problema, foi determinado judicialmente que a empresa apresentasse novo Plano de Recuperação Judicial em até 30 dias, sob pena de ser decretada a falência, poucos dias após a empresa ter feito esse plano e sobre um pedido que se referia ao plano anterior.

Existe um debate jurídico sobre se a decisão dizia respeito ao plano atual ou não. Particularmente, considero que tenha sido uma decisão extemporânea, mas essa discussão além fugiria do ponto central do texto. Isso porque o plano atual é muito parecido com o anterior, então seria apenas a elaboração de um novo pedido e uma nova decisão para sanar o vício.

A grande pergunta aqui é se teria a Saraiva ainda chances de continuidade. Uma empresa que não consegue sequer vender suas unidades produtivas e que apenas no ano passado fechou metade de suas livrarias. Além disto, o modelo de negócios que prioriza lojas físicas ao site se encontra irreal dentro da realidade das livrarias hoje. O cenário que já era problemático apenas se agravou devido à pandemia.

A Lei de Recuperação Judicial e Falência concede uma série de benefícios para a empresa, de forma a viabilizar a continuidade do negócio. Benesses essas tão grandes que chegam a ser estranhas a um leigo. Mas, se mesmo com tudo isto for considerada a empresa inviável, a liquidação dos ativos por meio da falência deve ser o melhor caminho.

Obviamente o debate deve ser travado entre os credores da empresa. Apenas estamos apontando aqui os parâmetros que, com certeza, serão levados em conta na hora da tomada de decisão.

A única certeza que podemos ter é que a Recuperação Judicial da Saraiva pode nos dar um bom panorama sobre o instituto da Recuperação Judicial, que caso utilizada em conjunto com um modelo de negócios acertado e um bom plano de venda da operação como um todo ou de algumas de suas unidades, pode ser uma boa forma de manter a atividade produtiva da empresa.


Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.

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Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.

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