Na fronteira da conexão, a internet nos aproxima ou nos distancia?

A transformação do mundo físico com o advento da internet e das novas tecnologias é inegável. Nunca foi tão fácil se comunicar com qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento.

Vivemos na era da conexão. Uma era com promessas de desenvolvimento, informação, progresso e integração. Para muita gente, sequer é possível elencar o que, afinal, poderia dar errado.

No entanto, diante de uma sociedade hiperconectada é fundamental que haja uma compreensão mínima acerca dos riscos que estão envolvidos no desenvolvimento tecnológico. Isso porque a hiperconectividade é um dos principais fatores que estimula a modificação decisiva do modelo de sociedade de consumo atual e a compreensão dos direitos envolvidos.

Em uma perspectiva de hiperconsumo e hiperconexão, o indivíduo deixa de ser somente um sujeito de direito, titular de vontades e autonomia de aquisição, para ser também um objeto, sendo ele mesmo uma mercadoria que serve de vitrine de dados a serem utilizados nos mais variados serviços.

Também é comum a sensação de que, quanto mais nos aproximamos virtualmente sobre a vida alheia, mais nos distanciamos de nós mesmos e, ainda, nos afastamos de uma perspectiva realista de vida.

A sensação de anonimato e o individualismo da era contemporânea contribuem para um frenesi incessante no fluxo da internet, impulsionado pelo advento da pandemia da COVID-19, que forçou o isolamento e o uso massivo das mídias digitais em inúmeros setores.

O smartphone tornou-se um mecanismo de fuga para qualquer atividade que possa parecer maçante ou que não demande atenção integral: se o livro está chato, não custa nada parar para olhar as notificações do Instagram por dez minutos, mesmo quando esses minutos vão se estendendo até durarem horas e passam a prejudicar a nossa produtividade.

A chegada da internet traz consigo a promessa da conexão e da aproximação entre as pessoas, mas o ritmo e a forma como isso vem acontecendo põem em xeque essa premissa inicial. Além disso, nas redes sociais é fácil mostrar apenas uma versão otimizada de si mesmo, exibindo apenas aquilo que é considerado bom, o que, de certo modo, dificulta o desenvolvimento de relações pessoais autênticas na internet e fomenta a frequente sensação de solidão.

A sensação de experiência personalizada nas redes sociais, onde os algoritmos selecionam conteúdo de interesse do usuário faz com que as pessoas passem cada vez mais tempo sozinhos na frente da tela. Na verdade, passa-se a verificar um ciclo mútuo que nos impele a questionar se estamos mais solitários porque estamos usando as plataformas virtuais por mais tempo ou se usamos as redes sociais por mais tempo porque estamos mais solitários. No mesmo sentido, o contato meramente virtual muitas vezes não preenche a necessidade humana de afeição e aproximação.

Além da solidão, a mesma internet que nos comunica é aquela que veicula discursos de ódios e fake news, elementos nocivos ao modelo democrático e que têm o condão de violar direitos fundamentais. A internet também passou a ostentar um protagonismo inigualável no tocante aos rumos de processos eleitorais e, ainda, na difusão massiva de desinformação, o que torna premente a necessidade de reflexão acerca da regulação nesse âmbito, notadamente no que tange à moderação de conteúdo pelas plataformas virtuais.

Passa a ser relevante não somente a inclusão digital de todos, mas também a educação digital, que instrua os usuários a agirem de forma ética e legal dentro do ambiente cibernético. Nesse ponto, a ideia de cidadania digital compreende a difusão de preceitos éticos no meio virtual, de esclarecimento de funcionamento de alfabetização e inclusão digital.

A verdade é que ninguém vai deixar de usar a internet. Pelo contrário, a tendência é que todos os serviços e produtos sejam cada vez mais automatizados. A tecnologia seguirá desenvolvendo, aqui e ali, resultados benéficos para o progresso da humanidade. Tampouco parece razoável apostar em uma perspectiva apocalíptica acerca do desenvolvimento tecnológico, nem se venera qualquer tipo de nostalgia estéril que insinue que no passado as coisas eram simplesmente melhores. Afinal, a técnica é, inclusive, aquilo que nos identifica como seres humanos e nos diferencia de outros animais.

Mas dentro de todo esse furacão, nem sempre é fácil perceber os riscos que estão envolvidos e, mais ainda, é difícil dizer o que virá. Além de todas as questões psicológicas e sociais, a regulação da tecnologia também é um fator a ser ponderado e discutido. Em um mundo com milhões de smartphones espalhados por toda a parte, encontramos uma epidemia de solidão social.

A mesma internet que nos liberta, é aquela que nos segrega. A mesma que nos aproxima, é aquela que nos distancia. Torna-se urgente, então, repensar formas de enxergar o outro, nem que seja pelas fissuras das barreiras virtuais que nos separam. Mas isso já é pauta para a próxima coluna.

Sugestão de filme que trata sobre as relações pessoais no nosso tempo: “Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual” (Argentina, 2011). Direção: Gustavo Taretto.


Gabriela Buarque é advogada e mestranda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisadora no Projeto Privacy Lab do Centro de Direito, Internet e Sociedade (CEDIS) do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e na equipe de inteligência artificial do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN).

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Advogada e pesquisadora. Mestra em Direito pela universidade Federal de Alagoas. Coordenadora do GT de inteligência artificial e novas tecnologias no Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN) e Secretária-Geral da Comissão de Inovação, Tecnologia e Proteção de Dados da OAB/AL.

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