A polêmica demissão por justa causa por ausência de vacinação

(Foto: Secom Maceió)

Virou lugar comum falar em “novo normal” ou que a pandemia mudou a forma como nos relacionamos com o mundo. Independente disso, é inegável que ela trouxe muitas discussões jurídicas que em outros momentos jamais seriam cogitadas.

Um exemplo disso são as enormes discussões travada sobre vacinações, que gerou uma série de discussões tanto no Direito Público (com a exigência de “passaporte de vacinação” em ambientes públicos fechados) quanto nas relações privadas. Entre elas, vamos destacar aqui o Direito do Trabalho.

O que está sendo discutido?

Os fatos que levam a essas discussões são simples: determinados funcionários se recusam a tomar vacina e muitas empresas optam por os demitir por justa causa, o que os faz perder uma série de direitos na demissão.

Foram ajuizadas ações judiciais tentando reverter a demissão em demissão sem justa causa. A tendência dos Tribunais Regionais do Trabalho é de entender pela possibilidade de justa causa, desde que tomadas as devidas cautelas.

O tema ainda não foi levado à discussão no Tribunal Superior do Trabalho, mas as expectativas são de que eles ratifiquem o posicionamento das instâncias regionais.

Essa discussão vinha caminhando para uma pacificação. Entretanto, no dia 01 de novembro de 2021, foi publicada a Portaria nº 620/21 do Ministério do Trabalho e Previdência, proibindo aos empregadores que exijam a vacinação no momento de contratação ou demitam por justa causa os funcionários que não se vacinarem.

Essa Portaria serviu para aumentar a insegurança jurídica, gerando um questionamento bem para o empresário: Devo obedecer a Portaria que diz que não posso demitir ou posso me confiar no posicionamento dos Tribunais?

Para piorar as dúvidas, já foram propostas três ações atacando a constitucionalidade da Portaria, pela Rede, PT e PSB, contestando a constitucionalidade da Portaria no Supremo Tribunal Federal.

Essa Portaria está valendo?

O primeiro ponto a ser entendido é que uma portaria não é uma lei. Ela é um ato administrativo que serve para regular aquilo que está disciplinado na legislação. 

Trazendo um exemplo para clarificar: a legislação penal prevê que é trabalho análogo à escravidão submeter o trabalhador a jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho. Conceitos estes que são pela própria natureza bem amplos, de forma que o Ministério do Trabalho definiu em Portaria o que são esses conceitos, sendo esta Portaria observada no momento das fiscalizações pelo Ministério Público do Trabalho.

Desta forma, uma portaria não pode contradizer uma lei, servindo apenas para a regular, tendo em vista que as mudanças sociais ocorrem de forma mais rápida do que a legislação consegue capturar, servindo este instrumento com o propósito de conseguir se adaptar melhor às situações concretas reais.

A Portaria 620/21 serve com o propósito inverso, não apenas contradizendo a legislação como desrespeitando a Constituição Federal.

Afinal, o que está sendo colocado em jogo é uma discussão entre o direito do empregado de optar por livre e espontânea vontade não tomar vacina contra o direito de toda uma coletividade de trabalhadores de terem um ambiente de trabalho salubre.

Como bom advogado empresarialista, tendo a ser mais criterioso na defesa das liberdades individuais, mas esse é um caso que se mostra inegável a lesão à saúde coletiva por não se tomar a vacina. Inclusive, já existem posicionamentos anteriores no STF que dizem ser constitucional a obrigatoriedade da vacina pela legislação sanitária brasileira.

Esse impedimento à justa causa, inclusive, vai contra o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelece que é dever do empregador fazer cumprir as normas de medicina do trabalho e dever do empregado obedecer a essas normas.

Temos assim uma contradição óbvia entre a CLT dispondo que o empregador deve dar um ambiente de trabalho salubre e uma Portaria que coloca como prática discriminatória exigir vacinação contra Covid-19. Isso sem citar uma série de responsabilidades que o empregador possui, podendo até mesmo ser reconhecida morte por acidente de trabalho do empregador que morra em decorrência de ter contraído a doença no ambiente de trabalho.

Portanto, considero que não faltam argumentos no ordenamento jurídico para considerar a Portaria tanto inconstitucional, como ilegal.

Posso demitir por justa causa quem não se vacinar?

Cabe esclarecer que o presente artigo não tem o caráter de parecer jurídico, servindo para auxiliar as empresas na melhor forma de proceder diante dessa insegurança. Sendo assim, um texto opinativo, representando a opinião de um advogado acerca do assunto.

Consideramos que a Portaria não é válida dentro do ordenamento e os entendimentos anteriores dos Tribunais servem como indícios para considerarmos que irão acatar estes argumentos e considerar a Portaria inconstitucional.

O problema é que, enquanto a Portaria não for declarada como inconstitucional pelo STF, ela tem presunção de constitucionalidade, podendo o Ministério Público do Trabalho fazer autuações por esta prática. Autuações estas que possuem, a meu ver, chance de serem revertidas judicialmente, mas que, no mínimo, gerará um gasto não programado com contencioso.

Outro fator que deve ser levado em conta é que, mesmo considerando a possibilidade de demissão por justa causa, ela nunca pode ser a primeira medida tomada. O empregador também tem entre seus deveres o caráter educativo do empregado, devendo ter procedimentos claros quanto ao assunto e prezar inicialmente por punições mais leves como uma advertência, para em seguida suspender temporariamente o contrato de trabalho e apenas ao fim de todos esses informes demitir por justa causa.

Estes são procedimentos que devem estar sempre de acordo com as próprias regras internas da empresa, que não podem ser desrespeitadas.

Entendemos como possível a demissão por justa causa por recusa a vacinação contra o Covid-19. Contudo, existe uma série de riscos existentes na operação que devem ser levados em consideração na hora da tomada de decisão, assim como cuidados que devem ser tomados para efetuar esta demissão da maneira mais apropriada.


Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.


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Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.

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