A batalha judicial das lingeries e o uso do Direito Autoral no mundo da moda

(Foto: Divulgação)

É uma história relativamente comum no mundo da moda. A Loungerie, varejista brasileira de moda íntima, lançou uma linha de produtos chamada Embrace Lace na coleção 2011/2021. Passado algum tempo, a Hope Nordeste se usou de elementos dessa linha para também criar suas peças.

Como não poderia deixar de ser, o problema foi resolvido em um processo judicial que teve recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 19/10/2021.


Peças da Lingerie (à esquerda) e da Hope/Créditos: Reprodução do Processo

As semelhanças, pelo menos no meu olhar, encontram-se mais do que evidentes. Entretanto, quando se analisa essa questão judicialmente, existem outros elementos que devem ser levados em consideração, para que possamos verificar se essas semelhanças geram proteção pelo Direito Autoral ou não.

Direito Autoral x Propriedade Industrial

O primeiro ponto que deve ser levado em consideração é se neste tipo de criação deve ser aplicado o Direito Autoral ou o Direito de Propriedade Industrial. Pode parecer uma discussão muito técnica, mas quando olhamos com mais atenção, vemos que isso pode ocasionar uma diferença enorme no tratamento.

A Propriedade Industrial, como o próprio nome já indica, protege criações que possuem aplicação em um processo econômico. No caso em questão, este tipo de criação seria um desenho industrial, que diz respeito justamente à composição de linhas e cores de um produto ao ser apresentado ao público. Falando sem juridiquês: a composição estética do produto.

Para se ter proteção de desenho industrial é necessário que este desenho seja novo (o público não pode ter tido acesso a esse tipo de desenho, seja no Brasil ou outro país), original (sua aparência deve ser distinta de criações visuais anteriormente existentes) e ter aplicação industrial, podendo ser reproduzido em larga escala.

Além de tudo isto, o desenho industrial precisa ser registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para ter direito à proteção, que dura de 10 a 25 anos.

O Direito Autoral, por sua vez, não possui os requisitos de novidade e aplicação industrial, bastando que seja comprovada a originalidade. Também não é necessário registro em nenhum órgão, apenas servindo esses registros para facilitar em temos práticos a proteção deste direito. Por outro lado, somente podem ser protegidas pelo Direito Autoral as obras de caráter manifestamente intelectual.

Surge então a primeira problemática desta situação: a obra não estava registrada como Desenho Industrial no INPI, não tendo, assim, proteção legal. Restou aos advogados da Loungerie tentar caracterizar o design deste tipo de obra como de caráter intelectual.

O Superior Tribunal de Justiça, concordando com o Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou que neste caso não existe proteção de Lei de Direitos Autorais, levando-se em consideração que não é prevista expressamente esta espécie de criação e o caráter industrial é priorizado sobre as questões de design do produto.

Evidentemente, na indústria da moda este tipo de afirmação é mais complexa que em outros nichos. Existe um caráter de criação artística forte neste tipo de peça, mas o caráter econômico é preponderante, não podendo desta forma ser aplicada a Lei de Direitos Autorais.

Violação ao Trade Dress do produto

A Loungerie também trouxe à discussão a afirmação que houve uma violação ao trade dress, ou conjunto-imagem, de seu produto.

Em termos populares, conjunto-imagem é a percepção de o cliente ver um produto e já identificar com determinada marca. Diferente de um desenho industrial, ele não precisa ser registrado, uma vez que a cópia representaria concorrência desleal.

Para exemplificar, e usando um trade dress que inclusive já foi reconhecido judicialmente, temos o caso das bolsas da Kipling, cujo formato é tão icônico que é difícil um consumidor ver uma bolsa parecida e não associar.

Este tipo de constatação é difícil, sobretudo quando tenta se imaginar o que uma coletividade de consumidores pensa. Para evitar que se caia no terreno da subjetividade, nestes casos acaba sendo necessário o subsídio de uma perícia para averiguar este assunto.

A perícia do caso afirmou que a coleção Embrace Lace não era constatada pela percepção dos consumidores como algo característico da Loungerie. Era um produto que ela lançou e que após isto virou uma referência de mercado, o que não quer dizer necessariamente cópia de conjunto-imagem.

No processo também foram anexados produtos similares de uma série de concorrentes, além de ser argumentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que o próprio tempo desde o lançamento, que aconteceu há mais de uma década, faz com que este tipo de produto já esteja consolidado no estado da arte deste segmento.

Assim sendo, foi considerado que o que houve foi uma tendência de mercado que foi antecipada pela Loungerie, mas logo após também foi notada por outras marcas e replicada, o que não configuraria concorrência desleal. Argumento este lastreado por uma perícia técnica.

O que este caso traz de relevante?

Esta disputa judicial é bem informativa sobre os entendimentos atuais acerca da proteção de produtos de moda.

O mercado da moda possui características que tornam a inspiração em outras obras algo relativamente comum, não sendo ela por si só um ato de concorrência desleal, por maiores que sejam as semelhanças.

A exceção se dá quanto aos designs inovadores no mercado, que podem ser protegidos, desde que aqueles que os fizeram tomem os devidos cuidados.

O trade dress, por sua vez, é uma forma de proteção legítima e levada em conta pelo Judiciário, mas que demanda provas bem mais complexas e até mesmo perícia, o que pode ocasionar demandas infrutíferas, como foi o presente caso.

Ao considerar que não estão protegidas como direito autoral, o recado dos Tribunais é bem claro: aqueles que possuem uma criação nova no segmento, devem fazer o registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, juntando provas de todos os elementos exigidos para que possa ser considerado este produto um Desenho Industrial.


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Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.

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