Loss leader: por que gigantes do mercado decidem vender com prejuízo

(Foto: Divulgação/Sony)

Como uma estratégia de precificação formou as bases para um novo modelo de consumo

Apesar de ter assustado o consumidor brasileiro entrando no mercado com um preço de R$ 5.000,00, o Playstation 5 da Sony foi vendido por muito tempo dando prejuízo à gigante japonesa.

O Playstation 4 só se tornou lucrativo à companhia depois de 6 meses de lançamento, enquanto o Playstation 3 levou 4 anos para proporcionar lucros.

Se a Sony Interactive Entertainment – divisão de jogos eletrônicos do conglomerado – dependesse exclusivamente da margem de lucro na venda dos consoles, provavelmente não existiria mais, pois esses produtos são vendidos muitas vezes abaixo do valor de fabricação.

O “desconto” na venda dos consoles visa diminuir as barreiras de entrada para integrar novos usuários ao ecossistema como um todo, lucrando posteriormente na venda de jogos, acessórios e serviço de assinatura (PSN).

A estratégia, chamada de loss leader, é prática mercadológica antiga e corriqueira não somente neste mercado de jogos eletrônicos, mas também em diferentes setores e até diferentes escalas de operação.

Desde o varejista de pequeno porte que oferece produtos com desconto para atrair a atenção do cliente para outros itens de margens mais interessantes até empresas de celular que vendem seus flagships com prejuízo para fortalecer seu posicionamento de marca, a composição de um portfólio considerando produtos com resultados piores pensando num benefício geral é uma estratégia consolidada.

Entretanto, a busca pela transição para este modelo de negócios tem ganhado um protagonismo nunca visto. Em todos os setores a venda de acessórios e serviços tem conquistado um espaço maior nos portfólios, e a figura do assinante ou do usuário que esteja integrado à marca ganha força frente a busca pelo cliente pontual.

A aquisição do produto em si vira somente a porta de entrada para o relacionamento do consumidor com as empresas, que de formas cada vez mais criativas diminuem as barreiras de entrada subsidiando determinados produtos-chave ou até mesmo subvertendo totalmente seu modelo de vendas para focar em um sistema de assinatura, seja explicitamente ou de forma oculta.

 O modelo subscription based – oculto ou explícito

O crescimento do modelo subscription-based (por assinatura) acontece em diversas frentes do mercado. O setor de Softwares ilustra bem essa mudança, com empresas focando cada vez mais na criação de produtos SaaS (software as a service) ou até convertendo produtos que antes funcionavam no modelo de licença para o modelo de assinantes.

A Adobe foi uma das pioneiras nesse movimento, criando um serviço de nuvem (Adobe’s Creative Cloud) que dá acesso a um conjunto de seus produtos, como Photoshop e Illustrator, dentro de uma plataforma única.

O Office 365 da Microsoft também abandonou o modelo de licença única para um modelo de assinatura integrado aos seus serviços de nuvem. A relação da marca com o cliente não termina mais somente na primeira compra.

Os exemplos acima se referem a empresas que explicitamente mudaram seu modelo de negócio para o serviço de assinaturas. Outras empresas, por outro lado, tentam a mesma abordagem, mas introduzem essa relação de forma oculta.

O que era somente uma compra vira uma relação de compromisso, pois o produto é formulado para criar uma vinculação contínua baseado em modelos proprietários de manutenção daquele uso.

A Gilette foi uma das pioneiras nessa estratégia, com margem baixa no barbeador e maior faturamento nas lâminas de reposição. A Nespresso, por exemplo, vende sua cafeteira a um preço próximo ao de custo, mas tem a maior parte do seu faturamento com o serviço de assinatura ou venda de cápsulas.

A mesma estratégia é vista com impressoras e seus cartuchos, Kindle e sua loja de e-books, cartões de crédito com anuidade zero e até mesmo filtros de água com refil de reposição proprietário.  

O mercado do “As a Service” encontra cada vez mais adeptos. Tanto no B2B quanto no B2C, os produtos se tornam porta de entrada para serviços. Do lado do consumidor, cabe pesar os benefícios desse modelo e atentar para modelos que tentam te “fisgar” para determinado hábito de consumo sem que você perceba.

São produtos que se tornam obsoletos caso não seja mantida a relação continuada com a marca. Algumas vezes a compra de um produto mais caro e que não tenha esse formato proprietário que força o compromisso pode ser mais interessante financeiramente no longo prazo, principalmente em artigos que não façam parte do seu uso cotidiano. A armadilha é tornar o “premium” algo mais acessível a princípio e capitalizar em cima da perpetuidade da relação.

Transformando a relação com o seu cliente

Uma barreira de entrada menor com produtos de custo inferior, mas que criem uma relação mais duradoura, com entradas de caixa mais recorrentes, talvez seja a solução para um fluxo de caixa mais saudável em seu negócio.

Para introduzir esse modelo, é importante criar possibilidades de relacionamento com o cliente que facilitem a fidelização e a recorrência.

O objetivo é tornar menos prático a troca para um concorrente, ao inserir o cliente de forma tão bem arquitetada dentro do seu universo de praticidades que a troca para uma outra marca passe a não ser conveniente. É necessário elevar o custo de oportunidade envolvido numa conversão.

Esse modelo tem proporcionado faturamentos recorde para diversos gigantes do mercado que conseguem instituir a prática de forma eficiente e alcançar o ponto de maturação.

Entretanto, formular um negócio com essas características é um desafio imenso que, quando feito de forma inapropriada, pode levar uma empresa à falência.

A oferta de um serviço dessa natureza demanda a estruturação de uma experiência de consumo de excelência. Uma mudança brusca no modelo de negócios que não consiga ter apelo suficiente para consolidar essa relação pode significar o fim de um empreendimento, e o arrependimento seguido de uma retomada para a forma de atuação anterior pode envolver mais tempo e custos do que se tem disponível.

Assim, qualquer mudança significativa no modelo de negócios de uma empresa madura, ou qualquer investimento relevante na criação de um novo empreendimento, deve passar por um processo robusto de estudo de viabilidade.

Entender a situação atual da sua empresa, seu posicionamento de marca, e o mercado em que atua é o primeiro passo para caminhar em direção a um novo formato. É impossível empreender tateando no escuro.


João Paulo Ramalho atua como advisor de Fusões e Aquisições na SG Capital. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC Minas. Secretário-geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB/AL.


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Atua como advisor de Fusões e Aquisições na SG Capital. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Especializado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC Minas e pós-graduando em Administração Estratégica pela FIA Business School.

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