Em 2013, foi lançada uma série americana no modelo reality show chamada “The Profit” (aqui no Brasil ficou conhecida como “O Sócio”), onde o investidor Marcus Lemonis visita empresas em dificuldades para oferecer seu capital financeiro e conhecimentos de administração de empresas. Ao avaliar os negócios do programa, o investidor costuma focar em três elementos: pessoas, processos e produtos.
Uma característica recorrente nas empresas em dificuldades que Lemonis encontra, no que diz respeito aos produtos, é o número excessivo deles. Na vontade de maximizar faturamento, o empresário amplia de forma desordenada sua lista de produtos e serviços, perdendo a noção do carro-chefe da empresa e direcionando grandes esforços para linhas de negócios onde obtêm menores retornos ou mesmo perde dinheiro.
Um exemplo típico disso seria um restaurante que tenta atrair clientes criando um extenso e confuso cardápio que não demonstra nenhuma expertise específica do negócio. Dessa forma, cortar pratos do menu e direcionar o restaurante para onde possua melhor qualidade, margens e demanda do mercado são passos naturais da reestruturação da operação.
Nesse campo de gestão, a empresa de consultoria Boston Consulting Group criou a influente matriz crescimento-participação em 1968 para categorizar os produtos de uma empresa de acordo com sua participação de mercado e potencial de crescimento. Com isso, os produtos são classificados em quatro categorias: vacas leiteiras, estrelas, interrogações e abacaxis.

Vacas Leiteiras: São os produtos já estabelecidos com uma sólida presença de mercado e geradores de caixa para a empresa. Eles não necessitam de grandes reinvestimentos da empresa pois já alcançaram uma posição madura de mercado e possuem escala suficiente para gerar retorno com baixo custo para o negócio.
Devido ao ciclo de vida dos negócios, é factível que a vaca leiteira de hoje seja o abacaxi de amanhã. Dessa forma, a sua grande geração de caixa pode ser aproveitada para financiar o desenvolvimento de novos produtos.
Estrela: São os produtos que contam com grande participação em um mercado que está em expansão. Dessa forma, demandam muitos investimentos por parte da empresa para alcançar e manter uma posição dominante no mercado. No decorrer do tempo é esperado que os produtos estrela possam virar vacas leiteiras no portfólio da empresa.
Pontos de Interrogação: Os produtos na divisão de ponto de interrogação possuem uma pequena participação de mercado, mas estão presentes em setores de alto crescimento. Exigem uma análise mais detalhada da empresa para compreender se é possível crescer com novos investimentos, melhoria no marketing ou fusões & aquisições. Caso contrário, é preferível abandonar a iniciativa pela impossibilidade de ser competitivo nesse setor.
Abacaxi: São os produtos que têm baixa perspectiva de crescimento e baixa participação de mercado. Normalmente, a avaliação da administração do negócio deve ser de descontinuidade dessa linha de negócios ou mesmo realizar um spin-off (separação dessa parte da empresa como um negócio independente) para que essa operação seja vendida para uma outra empresa que enxergue maior potencial em explorar o produto.
Para que essa matriz possua real utilidade na gestão empresarial, é importante que ela seja alimentada com dados bem fundamentados e jamais por feeling ou achismo dos empreendedores. Isso pode ser feito através de pesquisas que validem a estrutura de mercado e o posicionamento dos produtos em relação à competição. Outro aspecto essencial é a análise financeira da geração de fluxo de caixa e criação de valor de cada uma das divisões de produtos.
Uma análise raramente feita pelas empresas nesse sentido é do efeito erosão, ou seja, quando um novo produto ou serviço possui, no seu fluxo de caixa, receitas que foram transferidas dos clientes de outros produtos da empresa.
Portanto, o novo produto concorre, mesmo que parcialmente, com outro produto já existente no portfólio do negócio e para compreender sua real criação de valor é preciso olhar para a geração de caixa adicional para a empresa.
Outro aspecto crucial na avaliação de produtos é o cross-selling. Às vezes um produto com um menor potencial de retorno e crescimento é mantido no portfólio dado que atua como uma porta de entrada ou complemento natural para um carro-chefe da empresa.
No Grupo SG, aplico esse raciocínio com diferentes modelos de cross-selling como uma forma de manutenção de produtos. Na SG Investimentos, o câmbio por si só é um produto de margens apertadíssimas e sem potencial de diferenciação significativa caso atuasse de forma avulsa. Por outro lado, traz comodidade para nosso cliente poder realizar a remessa internacional com a mesma assessoria que aloca seus investimentos no mercado financeiro estrangeiro, agregando valor ao cliente e para empresa ao integrar ambos os produtos em um único serviço.
Já na SG Capital, serviços de consultoria de menor custo como valuation e pesquisas de mercado estabelecem relações de confiança por parte dos empresários em relação à nossa capacidade técnica, sendo uma ponte para contratar nossa assessoria para serviços mais complexos e carros-chefes que são as fusões & aquisições e captações de recursos com fundos de investimentos.
Dito isso, é preciso ter muito cuidado para não tentar banalizar o argumento do “cross-selling” para justificar produtos ruins que não agregam ao portfólio. Por essa razão, a comprovação de participação de mercado e de criação de valor econômico para empresa são pilares básicos de um uso inteligente da matriz BCG.
A título de ilustração de reposicionamento de portfólio de produto cabe citar o caso da Phillip Morris International. A multinacional produtora de tabaco foi a primeira empresa do segmento a admitir o potencial nocivo da nicotina no ano de 2000 e, desde então, a empresa tenta reposicionar sua controversa imagem através da gestão do seu mix de produtos.

Atualmente, o slogan da corporação é “Delivering A Smoke-Free Future” e reconhecem que a melhor escolha para o consumidor seria parar de consumir nicotina totalmente. Todavia, acreditam que podem operar provendo alternativas menos nocivas para aqueles que desejam permanecer mesmo assim.
Desse modo, os cigarros que ainda hoje são o grande carro-chefe e vaca leiteira da operação servem para financiar o desenvolvimento de novos produtos e fusões & aquisições de novas áreas para Phillip Morris. Um exemplo disso: no mês passado a multinacional comprou a empresa OtiTopic, uma farmacêutica que trabalha com medicamentos para pacientes com risco intermediário a alto de infarto do miocárdio.
A empresa também anunciou o objetivo de que, já em 2025, os cigarros representem uma parcela minoritária do seu faturamento. Uma estratégia que vale ser lembrada e retomada para avaliação dos resultados no futuro no campo empresarial, mas também da saúde pública.
E você? Já pensou qual é o seu carro-chefe e quais são os “abacaxis” que deve descontinuar para seguir crescendo seu negócio?
Marcelo de Arruda é administrador e economista. Pós-Graduado em Finanças, Investimento e Banking (PUC-RS). Carreira construída no mercado financeiro atuando como executivo em assessoria de investimentos, gestão de portfólio e fusões & aquisições (M&A). É o CEO e sócio-fundador do Grupo SG, que atua com negócios nas áreas de finanças, mídia, alimentação e imobiliário. Também possui três trabalhos acadêmicos em finanças reconhecidos nacionalmente em premiações realizadas por Sefaz-AL (2017), Universidade Mackenzie e IMB (2018) e CFA Society Brazil (2019).