No último artigo, eu havia deixado no ar que discutiríamos agora um pouco sobre a Segunda Fase da Reforma Tributária.
De lá para cá, aconteceram alguns eventos não tão incomuns na política brasileira. A Segunda Fase, que em teoria deveria ser posterior à Primeira, foi aprovada pela Câmara, sendo mais provável que esta seja a primeira mudança tributária que ocorrerá.
Portanto, nada mais justo que mudar a nomenclatura aqui. Enquanto na última coluna discutimos sobre a Reforma do PIS/COFINS (em teoria a primeira fase), agora falaremos um pouco sobre a Reforma do Imposto de Renda, que já foi explicada aqui na Mercatus anteriormente, e está tramitando por meio do Projeto de Lei nº 2337/2021.
O objetivo do presente artigo é aprofundar um pouco melhor a matéria, explicando que alterações essa Reforma traz na sua vida e para sua empresa.
Correções na Tabela do IR
Esse, em uma primeira impressão, é o ponto menos polêmico de toda a Reforma. A tabela do Imposto de Renda foi atualizada, algo que não acontecia desde 2015. Essas atualizações são necessárias para recompor um pouco da perda inflacionária, já que o Imposto de Renda não é atualizado anualmente pela inflação do período.
O reajuste foi de 31,2%, passando a haver isenções a partir de R$ 2.500 reais. Pode parecer uma alteração substancial, mas sequer recompõe a perda inflacionária de 2015 a 2021, que é de 41,23%.
Em outras palavras, alguém que estava no limite da isenção em 2015 e teve o salário meramente atualizado conforme o IPCA pelo tempo, hoje iria receber R$ 2.689,17, não estando mais isento.
Essa é uma mudança que já nasce atrasada, o que só piora quando analisamos a Tabela do Imposto de Renda no tempo que já estava defasada em 113% no ano de 2019. Obviamente seria melhor que a tabela fosse atualizada anualmente segundo o IPCA do período.
Entretanto, essa é a típica demanda que não é do interesse da União, uma vez que é com essa perda inflacionária do poder aquisitivo e atualização da tabela inferior a ele que se consegue arrecadar mais por meio do Imposto de Renda.
Tributação sobre Investimentos na Bolsa de Valores
Quanto a este ponto, a polêmica é um pouco menor.
A tributação sobre investimentos na Bolsa de Valores sempre foi um dos principais problemas do nosso sistema tributário. Primeiro porque as alíquotas poderiam variar entre 22,5% e 15% a depender do tipo de investimento a ser feito e da duração dele.
O grande problema dessa estrutura é que as compensações tributárias apenas podem ser aplicadas se forem operações de mesma alíquota. Ou seja, se você teve uma perda em uma operação na Bolsa de Valores e ganho em outra, apenas poderá compensar os ganhos e as perdas para, enfim, pagar o imposto devido, se a alíquota for igual.
O Projeto tem como objetivo unificar a alíquota em 15%. Não só favorecendo os investimentos, mas permitindo que as operações sejam todas compensadas, já que a alíquota será sempre a mesma.
Esta simplicidade é um dos grandes pontos positivos da Reforma. Por outro lado, aqueles que possuem investimento em dividendos não serão mais isentos, temática que será aprofundada adiante.
Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Tributação sobre Dividendos e fim dos Juros sobre Capital Próprio
Essas são as alterações que compõem a maior parte da Reforma do Imposto de Renda e têm uma conexão tão grande que é impossível falar de uma sem tratar sobre as demais.
Pelo regramento atual, as empresas que possuem faturamento de até R$ 20 mil mensais pagam um Imposto de Renda de 15%, tendo um acréscimo de 10% quando superar este valor. Na prática, entretanto, a maioria das empresas que possuem faturamento por mês inferior a este valor está no Simples Nacional, por isso que popularmente se diz que o IRPJ é de 25%.
A ideia do Projeto é diminuir esta alíquota para 10% a partir de 2023 (sendo 12,5 em 2022), mantendo-se intacto o adicional de 10%. Ou seja, uma pessoa jurídica de maior porte pagará 20%, tendo uma diminuição na carga tributária de cinco pontos percentuais.
Para compensar esta perda na arrecadação, irá haver um imposto sobre dividendos no montante de 15%, situação jurídica atualmente isenta de imposto já que os dividendos são tributados pela pessoa jurídica antes de serem distribuídos.
A exceção é se você tiver uma microempresa ou empresa de pequeno porte. Ou seja, se seu faturamento for de até R$ 4,8 milhões anuais, você possuirá isenção se receber até R$ 20 mil por mês.
Dando um exemplo bem prático: um médico que tenha um pequeno consultório e fature R$ 20 mil por mês estará isento de imposto de renda sobre dividendos, diferente de um médico que seja sócio em um hospital e retire o mesmo valor.
O discurso oficial é de que essa medida irá diminuir a injustiça fiscal ao impedir planejamentos tributários em que os sócios de empresas recebem substancialmente mais dinheiro por meio de dividendos, em relação ao pro-labore. Contudo, o motivo que jamais é dito e sempre é subentendido é o de conseguir, assim, se arrecadar mais.
Enquanto uma média empresa antes recolhia 25% sobre seu lucro e distribuía aos seus sócios, agora pagará apenas 20% e o valor também será tributado quando for distribuído na alíquota de 15%. Esse planejamento é claro no sentido de que essa arrecadação seja superior ao que a União abrirá mão pela queda da alíquota.
No mesmo sentido, temos o fim dos Juros sobre o Capital Próprio, uma possibilidade de remuneração dos sócios que não era tributado como lucro e assim não incidia IRPJ, mas que deveria ser tributada ao ser distribuída aos sócios na alíquota de 15%. Valor este que era bem menor do que os tributos pagos pelo Imposto de Renda, tornando uma forma de planejamento tributário lícita e bem vantajosa às empresas.
Pode, em um primeiro momento, parecer uma medida que faz sentido quando se coloca na ponta do papel, mas também deve ser levado em consideração que dentro do ordenamento jurídico brasileiro esta é uma das melhores formas possíveis para as empresas conseguirem financiamento por sócios (capital próprio) em vez de terem que se endividar (capital de terceiros).
Obviamente, não se pode dizer que o Brasil é um país onde se impere a Justiça Tributária, mas as alterações tendem a trazer mais sanha arrecadatória ao sistema tributário do que tratar de forma profunda a questão.
Também deve ser destacado que a Reforma em nenhum momento trata sobre outros tributos que já oneram as pessoas jurídicas, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que precisariam ser resolvidas junto de qualquer mudança neste regramento.
Um Balanço Final sobre a Reforma Tributária
As modificações, da forma que estão sendo feitas, sendo tímidas nas reduções sobre as receitas da empresa e substanciais quanto ao fim dos instrumentos possíveis de remuneração de sócios, portanto, chegam a ser irresponsáveis quando analisamos o Sistema Tributário Nacional como um todo.
O maior erro destas Reformas, inclusive, é o de achar que a melhor forma de se resolver a complexa situação tributária brasileira, cheia de nuances, seja discutindo o problema por meio de diversos Projetos de Lei, quando cada alteração, se não for pensada em conjunto com o todo, poderá ter efeitos prejudiciais.
Daria mais trabalho, exigiria diálogo com diversos setores, e até mesmo mudanças na Constituição. A notícia boa é que esse caminho já foi em muito adiantado por meio das Propostas de Emenda à Constituição nº 110/2019 e 45/2019, que embora imperfeitas, trazem soluções em melhor conformidade com as graves disfunções tributárias do país.
Ninguém pode discordar que a Reforma Tributária é um tema de suma importância para a melhoria do ambiente de negócios do país. Por esse mesmo motivo que não se pode ser realizada de forma leviana, priorizando não uma melhora no sistema tributário para que se torne mais racional, mas apenas trazer mudanças leves e que serão ainda mais danosas para o empreendedor.
Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.