IPCA nos últimos 12 meses foi de 9,68%; agosto teve maior variação para o mês desde os anos 2000.
O que está acontecendo?
Desde o transporte – com o preço da gasolina e o valor das corridas nos aplicativos-, ao preço do quilo do feijão, da carne, e até as contas de água e energia. Tudo está mais caro no último ano, e as contas estão mais difíceis de fechar.
O IBGE divulgou, na última quinta-feira (9), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto, que foi de 0,87%. Apesar de estar abaixo da taxa do mês anterior, que registrou 0,96%, esta foi a maior variação para um mês de agosto desde os anos 2000 (1,31%).
Nos últimos 12 meses, o índice ficou acumulado em 9,68%, acima dos 8,99% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores.
Dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, oito tiveram alta em agosto. As maiores variações vieram dos Transportes (1,46%), Alimentação e bebidas (1,39%) e Habitação (0,68%).
Por que isso está acontecendo?
Uma das explicações para esses aumentos é, justamente, a pandemia, que afetou gravemente a economia do Brasil. As restrições de funcionamento do comércio e serviços, e a liberação de mais de R$ 300 bilhões de auxílio emergencial, com o país já estando endividado, ajudaram a derrubar o valor do real.
Além do cenário da pandemia, a questão política do Brasil também intensifica o problema. A instabilidade faz com que investidores estrangeiros percam o interesse em fazer negócios no país, levando bilhões de dólares para outros locais, o que acaba valorizando ainda mais a moeda estrangeira.
Infelizmente, o mesmo não acontece com o real, que acaba sofrendo o efeito reverso e sendo desvalorizado. E como boa parte de nossos produtos são cotados em dólar, como o petróleo, a soja e o milho, eles acabam ficando mais caros ainda, refletindo nos valores que pagamos no dia a dia: se o petróleo ficou caro, a gasolina fica mais cara e, consequentemente, sentiremos esse aumento ao usar transporte público ou ao abastecer o carro, por exemplo.
Com esses 10% de inflação, quer dizer que os produtos estão 10% mais caros?
Não necessariamente.
A grosso modo, o IPCA é uma média do aumento de vários itens. O índice é utilizado como o principal termômetro da inflação, nos dando um panorama de como está a economia no país.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) avalia o consumo do brasileiro médio, principalmente da classe C. O órgão realiza uma pesquisa para saber o nível de aumento de preço nos produtos e serviços consumidos e, partir daí, é feita uma “média” de todas essas altas. É a Pesquisa de Orçamento familiar – POF, utilizada para subsidiar o calculo do IPCA. A partir dela, o IPCA é calculado ponderando os produtos e serviços que têm maior peso no consumo das famílias.
Por isso, ao ir ao supermercado, você pode notar um aumento maior que 10% em determinado item, ou pode ser que outro produto não tenha sofrido esse aumento. Uns podem ter subido mais, outros, menos.
De acordo com o economista Pedro Neves, o índice, de forma simplificada, é apenas para que a população sinta e entenda que o valor de todas as coisas está aumentando, e não deve ser levado ao pé da letra na hora de colocar na ponta do lápis o aumento dos produtos e serviços que utilizamos.
Afinal, o que é o IPCA?
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mede a variação nos preços dos produtos de mercado para o consumidor final, e serve como referência para que o governo monitore a meta de inflação anual, podendo assim definir suas políticas monetárias e medidas econômicas.
O cálculo reflete o custo de vida da população analisada, que é a que tem renda mensal entre 1 e 40 salários mínimos, residentes nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém, Distrito Federal e Goiânia.
Como a inflação me afeta?
Em resumo: diminuindo o seu poder de compra.
É importante lembrar que quanto menor a renda, maior o impacto causado pela inflação. Uma família que se sustenta com um salário mínimo será muito mais afetada do que uma família que tem uma renda mensal de R$ 10 mil, por exemplo, já que para conseguir ter o básico (alimentação, transporte e habitação), a família com a menor renda precisará fazer um corte de gastos.
Com o aumento nos preços, a tendência das classes mais afetadas (C e D) é diminuir o consumo, já que boa parte do salário será destinada a essas despesas extras, com os mesmos itens, que não existiam antes. Assim, não vai ser possível comprar outras coisas básicas.
Além disso, a inflação também gera um impacto social. Com um consumo menor, a oferta diminui, afetando o mercadinho que vende esses itens. Consequentemente, o mercadinho compra menos da indústria, que deverá contratar menos mão de obra por não estar produzindo tanto.
“O dano começa individual, e acaba se estendendo para um coletivo: com um consumo menor, as outras áreas da economia também são afetadas, como emprego e renda, já que as empresas terão menos demanda e assim, irão contratar e investir menos”, explica o economista.
E nos investimentos, também há implicações?
Por estar diretamente relacionado ao rendimento de vários tipos de investimento, qualquer investidor já deve ter o hábito de acompanhar as variações do IPCA. Os investidores precisam ficar atentos nesse momento para não perder dinheiro, já que é preciso que os investimentos superem a inflação.
Nesse cenário, um dos investimentos mais comuns é o Tesouro IPCA que, em tese, protege o investidor da inflação com o pagamento dela mais uma taxa extra.
O economista Pedro Neves salienta que ter investimentos nesse período é necessário, já que com o dinheiro parado, há uma perda significativa causada pela inflação.
“A inflação corrói investimentos, corrói poder de compra. É realmente um fenômeno muito prejudicial para a sociedade. Com uma boa assessoria, planejamento e cuidado, é possível fazer bons investimentos que possam compensar a inflação”, afirma.
Era possível prever esse cenário?
Em teoria, sim, apesar de não serem estimativas exatas.
Porém, segundo o economista, o contexto atual está mais imprevisível, dificultando a precisão nas estimativas e tornando os erros mais significativos.
“Antes, você tinha uma noção clara, de que a inflação foi porque a produção parou, ou foi porque houve uma injeção maior de recursos, mas agora é tudo junto com o fator político, então fica muito mais difícil conseguir acertar. As estimativas são feitas, há uma tendência de erro, mas a estimativa é que essa inflação volte a cair a partir do 1º semestre de 2022, porque as empresas voltaram a produzir normalmente, não vai estar mais faltando produtos”, explica Neves.
Algumas outras questões também podem prejudicar o índice, como a crise hídrica, que causou o aumento no preço da energia.
O normal, segundo o economista, seria dizer que a inflação tende a cair logo no 2º semestre de 2021, mas devido a incerteza do momento, há uma grande chance dessa estimativa estar errada pelos próximos meses.
“Se a gente pega uma estimativa de 4 meses atrás, podemos ver que ela errou totalmente a inflação atual, mas aí não é erro do analista, do economista que projetou o cenário. É que a economia não é uma ciência exata, ela é uma ciência social e o comportamento humano social é muito complexo de entender”, acrescenta.
O que poderia ter sido feito para reverter a situação?
De acordo com o economista Pedro Neves, existe um componente na economia que fica na linha tênue entre economia e política: a expectativa.
Esse fator diz respeito ao papel do gestor público em tentar trazer clareza e boas expectativas para investidores, empresas, consumidores e trabalhadores.
“Não fomos ingênuos de achar que íamos passar por uma pandemia sem haver consequências econômicas depois. O que as pessoas querem é enxergar o que vai ser feito daqui pra frente. Se elas enxergarem um cenário positivo, elas investem, elas produzem mais, contratam mais mão de obra, elas seguem a vida normal. E aí tem faltado, digamos, ao Ministério da Economia, passar essa confiança, essa boa expectativa. Hoje se tem uma ideia de que o ministério foi suprimido pelo ambiente político de Brasília. Ele não tem mais aquele poder que tinha no início do governo”, observa.
Para Neves, o mercado não sente mais tanta confiança no governo. O especialista salienta que esse posicionamento é fundamental para retomar a confiança que havia no mercado, mas acrescenta que não sabe se isso é politicamente possível a essa altura.
Segundo Neves, para se recuperar, o Brasil precisaria fazer reformas e reajustes nas contas públicas, para voltar a investir, seja em políticas sociais ou de estrutura básica.
“Sem fazer essas reformas, a gente não consegue fazer esse reajuste. Sem isso, o Brasil será um eterno endividado, e o endividado fica ali fazendo só o mínimo para conseguir sobreviver um dia após o outro. Qual vai ser a melhor reforma, qual o melhor projeto? Isso aí é um debate político social, mas que é preciso ser feito, para que em outro momento, a gente tenha condições de fazer um auxílio emergencial, uma política social de forma mais robusta, e sem trazer grandes consequências para a economia, como alguns outros países fizeram mais aliviados nesse momento”, conclui.