Publicada na última semana de agosto, a Lei n° 14.195/2021 (Lei do Ambiente de Negócios) extinguiu formalmente a figura do Empresário Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI).
Com isso, ao verificar no Painel de Empresas que existem 7.586 (sete mil, quinhentos e oitenta e seis) EIRELI’s ativas no Estado de Alagoas, fica o questionamento: o que acontecerá com essas empresas?
Mas antes de responder, é interessante que o empresário conheça todo o contexto que norteou essa alteração legislativa.
Há um consenso entre os brasileiros de que empreender neste país é extremamente difícil, sendo tarefa para poucos. Ocorre que essa ideia comum tomou forma mais objetiva a partir dos dados expostos no relatório Doing Business 2020, realizado anualmente pelo Banco Mundial para medir a facilidade de abrir e fechar empresas e realizar negócios: dentre as 190 economias mundiais analisadas, o Brasil ocupa, atualmente, o 124° lugar.
Nesse contexto, seguindo o viés de desburocratização inaugurado com a sanção da Lei de Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019), o Governo propôs a Medida Provisória n° 1.040/2021 – que, mais tarde, foi convertida na Lei n° 14.195/2021 -, com a finalidade de alterar uma gama de dispositivos legais atinentes à vida empresarial, como, por exemplo, normas sobre abertura de empresas, proteção de acionistas minoritários, facilitação do comércio exterior, e, dentre outros temas importantes, a extinção da figura da EIRELI.
A bem da verdade, a EIRELI é uma figura recente no ordenamento jurídico brasileiro se comparado com outras formas de exploração da atividade econômica (Sociedades por Ações e Sociedade Limitada, por exemplo), tendo sido introduzida no Código Civil por meio da Lei n° 12.441/2011.
O seu principal objetivo, na época, era possibilitar que o empresário pudesse fazer jus à separação patrimonial, existente na sociedade limitada, sem que fosse necessário trazer mais um sócio para a relação. Portanto, a EIRELI foi criada com o intuito de suprimir a exigência de pluralidade de sócios, existente para as sociedades limitadas, e evitar a formação de empresas com “sócios-laranjas”.
Em que pese o objetivo almejado por esse instituto, o legislador cometeu dois erros gravíssimos: i) condicionar a formação da EIRELI à integralização de capital social não inferior a 100 salários-mínimos; ii) proibir que uma mesma pessoa natural possua mais de uma EIRELI.
Com certeza, esse requisito de capital social mínimo para a sua constituição acabou por criar uma barreira enorme para que o empresário individual (pessoa física) optasse por instituir uma EIRELI em seu nome para continuar a exploração de sua atividade. Afinal de contas, diante da realidade brasileira, não é qualquer cidadão que possui R$ 100.000,00 (cem mil reais) à disposição para iniciar (e constituir) uma empresa.
A proibição de uma pessoa natural possuir mais de uma EIRELI nunca encontrou fundamento jurídico ou econômico suficientemente válido.
Veja que é plenamente possível que uma pessoa física seja sócia em várias sociedades limitadas e/ou anônimas, pois a função do sócio é deliberar sobre os principais negócios da empresa, deixando a cargo do administrador a função de gerência e aos demais colaboradores a função exercer as atividades básicas para a produção ou circulação do bem ou serviço.
Além disso, por não haver qualquer proibição expressa, as pessoas jurídicas não estavam subordinadas a essa mesma regra, podendo, portanto, constituir mais de uma EIRELI.
Tendo isso em vista, a Lei de Liberdade Econômica introduziu no Código Civil uma importante alteração, permitindo que a sociedade limitada fosse, finalmente, composta por apenas um sócio e sem a exigência de capital social mínimo: a chamada Sociedade Limitada Unipessoal (SLU).
Apesar de não ter sido formalmente extinta, esse foi, portanto, o primeiro sinal de decadência da EIRELI. No entanto, buscando fortalecer o ambiente de negócios no Brasil da desburocratização empresarial, o art. 41 da Lei do Ambiente de Negócios estabeleceu que todas as EIRELI’s existentes na data de entrada em vigência da lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de qualquer alteração de seu ato constitutivo.
Para os empresários titulares de EIRELI, à grosso modo, nada mudará, pois (i) o patrimônio da pessoa jurídica continuará sendo distinto do da pessoa física (sócio titular), (ii) a responsabilidade pessoal do sócio titular continuará sendo limitada ao valor de suas quotas, (iii) somente ocorrerá a responsabilização pessoal por dívidas da empresa nos casos de abuso de personalidade jurídica e (iii) continuará regularmente inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).
Por fim, essa transformação de todas as EIRELI’s em SLU ainda será objeto de instrução normativa própria do Departamento Nacional de Registro de Empresas e Integração (DREI) – órgão federal responsável por editar as normas a serem seguidas por todas as Juntas Comerciais do país.
Lucas Barbosa é advogado, assessor jurídico em estruturação de startups e consultor jurídico em operações societárias, pós-graduando em Direito Empresarial pelo Insper, membro e secretário geral-adjunto da comissão de Direito Empresarial da OAB/AL.