Reforma Tributária sem ‘juridiquês’: entendendo a primeira fase

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A Reforma Tributária é a pauta que vem assumindo bastante destaque nos noticiários recentemente. Antes, uma promessa longínqua, cada vez mais o Executivo vem tornando essa pauta prioritária na metade final de seu mandato.

Obviamente, essa prioridade se dá por uma série de disfuncionalidades do sistema tributário brasileiro. Uma análise crítica dessa questão demandaria todo um artigo, então tomaremos como premissa de qualquer debate que existe sim a necessidade de se modificar o atual sistema tributário para melhor. Sobre isso há consenso entre todos os tributaristas.

A dúvida que fica é se as propostas que estão sendo trazidas pelo Governo Federal conseguirão trazer essas melhorias, sobretudo quando se ignora todo um debate travado pelo Congresso Nacional que originou a PEC nº 128/2019 (tramitando na Câmara dos Deputados) e a PEC nº 110/2019 (tramitando no Senado Federal), optando por encabeçar uma nova Reforma por conta própria e a dividir em várias fases, ao contrário das duas outras Reformas em questão que tratavam de maneira ampla do tema.

Agora que nos assentamos nos principais pontos do assunto, vamos entender um pouco sobre o que está sendo proposto na Primeira Fase desta Reforma, apresentada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional por meio do Projeto de Lei nº 3.887/2020.

A ideia aqui é de extinguir duas contribuições polêmicas: O PIS (Programa de Integração Social) e a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), dois tributos tão interdependentes que sempre são mencionados juntos, muito embora cada um possua uma alíquota própria.

Atualmente, as empresas que optam pela tributação pelo lucro presumido pagam uma alíquota de 3,65% sobre o faturamento bruto para estes dois tributos, no que é denominado regime cumulativo.

Enquanto isso, as empresas que optam pelo lucro real pagam uma alíquota de 9,25% que, embora bem maior, dá o direito de se abater todo o valor já pago a título de PIS e COFINS em etapas anteriores da produção. Isso faz com que, muitas vezes, gere-se um tributo pago ainda menor para estas empresas.

Novo tributo

No PL 3.887/20 é proposta a criação de um novo tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em que o regime não cumulativo passa a ser obrigatório, em uma alíquota de 12%. A única exceção são as instituições financeiras e empresas equiparadas, que poderão continuar pelo regime do PIS/COFINS não cumulativo.

Em outras palavras, as empresas do lucro presumido que pagavam 3,65% do faturamento de PIS e COFINS, por achar mais vantajoso não ter que realizar este abatimento, será obrigada não só a ter que pagar uma alíquota maior, como realizar toda a operação de descontos para chegar no seu valor final. Enquanto as empresas que já funcionavam pelo lucro real e faziam esta operação terão que pagar ainda mais.

O argumento do Governo Federal é que as possibilidades de créditos dos tributos são maiores do que no regime do PIS/COFINS, o que justificaria uma alíquota maior.

Esse argumento não se sustenta, não só do ponto de vista constitucional, uma vez que a não cumulatividade plena é um princípio constitucional e não uma benesse do governo, como através dos cálculos que estão sendo feitos pelos mais diversos setores, mostrando que o valor tributado irá sim aumentar.

Essa discrepância já se mostra polêmica na indústria e comércio, mas quando tratamos de serviços é que a modificação se torna inviável.

Quando falamos de prestadores de serviços, a situação se torna mais difícil de ser apurada, levando-se em consideração que o conceito de “insumo” não é muito útil para esta categoria.

As principais despesas dos prestadores de serviços no processo produtivo (contratação de outros prestadores de serviços e pagamento de folha salarial) não podem ser consideradas insumos, não gerando quaisquer creditamentos.

(Foto: Minne Santos/Seplag)
(Foto: Minne Santos/Seplag)

Isto resultaria em uma mudança para todo o setor, que passaria, em sua grande maioria, de uma alíquota de 3,65% do faturamento bruto de PIS/COFINS para 12% deste faturamento de CBS, sem créditos a serem apurados por uma característica do próprio setor.

A forma que o Governo acena para estas críticas se mostra confusa, tendo já prometido diminuição de 10% para os prestadores de serviços (não modificando em quase nada o raciocínio) e à indústria (continuando com uma carga tributária maior, mas reduzindo o aumento). Entretanto, até agora não houve nenhuma mudança no Projeto.

Existe também a promessa de uma desoneração dos tributos sobre a folha salarial, vantajosa para os prestadores de serviço de maior porte, como grandes escritórios com muitos funcionários. Tentativa que não resolve o problema para as empresas de menor porte, como o prestador de serviço que não possui funcionários.

Mesmo para empresas de maior porte, hoje este aceno não passa de uma promessa vazia, tendo que fazer o setor optar por um aumento de tributação, e confiar na capacidade de articulação do governo para desonerar a folha salarial.

Levando-se em consideração que já existem duas fases da Reforma Tributária que consumiriam capital político e que em 2022 será ano eleitoral, confiar em uma terceira ou quarta fase que irá trazer melhoras para o setor torna-se quase um ato de fé.

A Primeira Fase da Reforma Tributária que cria a CBS não é de todo descartável, possuindo alguns avanços ao unificar os tributos, excluir de forma expressa de sua base de cálculo o ICMS, ISS e a própria CBS (temática relevante que com certeza será objeto de artigo próprio) e excluir da sua aplicação receitas que não tenham correlação com prestação de bens e serviços (como aplicações de renda fixa e variável).

Contudo, percebe-se que a tentativa de empurrar a própria Reforma, ignorando todo o debate prévio sobre a matéria e ainda escolhendo fatiá-la em diversas fases, cobrou o seu preço pela entrega de um Projeto de Lei que em muitos pontos se torna desconectado dos setores que deveria beneficiar, tornando-se ruim para indústria e comércio, e irreal para o setor de serviços.

Essa desconexão já se mostra acentuada em uma fase inicial que deveria trazer uma Reforma de menor escala, apenas extinguindo dois tributos de aplicação problemática e que gerou uma série de problemas tributários ao longo das décadas. Na Segunda Fase, a Reforma do Imposto de Renda, essa falta de diálogo chega a ser preocupante.

Mas deixemos este tópico para o próxima artigo.

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Guilherme Inojosa é advogado empresarialista e possui LLM em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Head Jurídico do Grupo SG, onde elabora organizações societárias e realiza due diligence de empresas, e do escritório Inojosa, Pavanelli e Barros – Advogados Associados, onde atua de forma contenciosa e consultiva.

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