Como a crise hídrica afeta o seu bolso

(Design: Micaelle Morais)

Brasil vive a pior crise hídrica dos últimos 91 anos e isso tem tudo a ver com as suas contas.

O que está acontecendo?

Seja observando a conta de luz ou acompanhando os noticiários, você já deve estar ciente que o custo de energia elétrica no Brasil não para de subir. O principal motivo, no momento, é a tão falada crise hídrica, que vem se agravando nos últimos dias.

Como o Brasil é extremamente dependente de hidrelétricas para a produção de energia, quando não chove o suficiente para encher os reservatórios, o país entra em uma situação crítica.

Nesse cenário de escassez, o governo precisou recorrer às termelétricas, que têm um custo de geração maior, e, este, obviamente é repassado para o consumidor final. É aí que entra o sistema de bandeiras tarifárias que varia de acordo com o nível dos reservatórios e a necessidade ou não de acionar as usinas térmicas.

Na última quarta-feira (1), entrou em vigor uma bandeira nova, a chamada “Escassez Hídrica”. Esta é ainda mais severa que a anterior, que já era a mais cara do sistema – a bandeira vermelha patamar 2.

Pelo menos até abril de 2022, serão adicionados R$ 14,20 às faturas para cada 100 kW/h consumidos.

Só a conta de luz vai ficar mais cara?

Não. Infelizmente, estamos presenciando uma bola de neve extremamente preocupante para os próximos meses.

Quando se fala em aumento do custo de energia elétrica não podemos lembrar apenas do consumo residencial. Toda a cadeia produtiva será impactada e os preços dos insumos também devem subir.

Dessa forma, o consumidor final terá dois custos a mais: o da própria energia elétrica e o dos produtos que ficarão mais caros.

Como já estamos em um período inflacionário, onde o poder de compra vai caindo e os preços, principalmente dos alimentos, aumentam consideravelmente, a crise energética se torna mais um fator preocupante na vida dos brasileiros.

Mas estes são apenas os problemas imediatos. Com as famílias consumindo menos, a indústria vende menos e contrata menos trabalhadores. Ou seja, mais para frente, essa cadeia de eventos deve agravar ainda mais o desemprego no país.

No geral, toda a economia é afetada.

Se o problema é a falta de chuvas, isso quer dizer que o governo está de mãos atadas?

No curto prazo, a solução é tentar remediar. Por ora, o governo descarta um racionamento, e tem incentivado descontos para consumidores que economizem energia.

Mas como dificilmente uma crise chega sem avisar, o economista Pedro Neves avalia que o governo poderia ter se adiantado ao problema.

“O que poderia ter sido feito antes era um monitoramento das reservas e, antecipadamente, ao vislumbrar uma crise hídrica, entrar com um processo ágil de racionamento. A questão ambiental está diretamente ligada à crise econômica que surge, e o governo deve priorizar essa pauta também”.

Neves relembra outra medida que poderia ter mitigado a crise, mas que foi negligenciada pelos governantes brasileiros na última década: o investimento na diversificação da matriz energética, que ainda é predominantemente hídrica.

De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a energia eólica hoje representa 10,9% da matriz, enquanto a energia solar apenas 2%.

“Como o governo, nos últimos 10 anos, não teve capacidade de fazer investimentos expressivos nesse sentido, discute-se a possibilidade de trazer a iniciativa privada para esse setor, abrir mais concessões, fazer parcerias público-privada. O Brasil infelizmente ficou para trás e praticamente não fez investimentos nessa área”, comenta.

E o horário de verão?

Desde 1985 o horário de verão não era interrompido, até 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro decretou seu fim. À época, o Ministério de Minas e Energia explicou que, historicamente, o objetivo principal dessa medida era a redução do consumo de energia elétrica no início da noite, momento de maior pico de consumo no Brasil.

O governo argumentou, porém, que de acordo com novos estudos, houve uma mudança de hábitos da população, concentrando o consumo no período da tarde. Ou seja, nessa faixa do dia, o horário de verão não teria influência nenhuma.

Com a crise energética apertando, há empresários pedindo a volta da medida, incluindo Luciano Hang, dono das lojas Havan.

“Com uma hora a mais no dia, aumenta a movimentação no comércio, a ocupação em hotéis e restaurantes, consequentemente aumenta a produção das indústrias. Hoje, mais de 70 países utilizam a medida, demonstrando que ela influencia sim, positivamente, para a economia. Além disso, neste período em que enfrentamos uma crise hídrica, este artifício também é uma maneira de economizarmos energia elétrica. Eu apoio!”, escreveu Hang em uma rede social.

O economista Pedro Neves explica que não existe um consenso quanto à eficácia do horário de verão, mas que, diante da crise, ele poderia ter sido mantido.

“Existem estudos que mostram que [o horário de verão] tem um impacto pequeno de economia de energia, enquanto há análises que dizem que não é tão eficaz. Na minha opinião, poderíamos ter mantido. Ele causa um incômodo para as pessoas, mas do ponto de vista econômico não causava nenhum grande problema. Na ausência de um consenso, melhor ter do que não ter. Acho que foi um equívoco ter descartado o horário de verão”, avalia.

Vale a pena investir em energias alternativas, como a energia solar?

Para o economista, sim. “O retorno não é imediato, mas já se sabe que há um retorno estimado de 2 a 3 anos, dependendo do investimento que você faz”.

Atualmente, está em vigor uma regra que prevê isenção de impostos para consumidores que produzem a própria energia, feita majoritariamente por painéis solares. No mês passado, porém, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que quer colocar um fim nesses subsídios.

A proposta, que ainda precisa passar pelo Senado, mantém a isenção de encargos para quem já possui as estruturas até 2045. Já para os novos usuários, a cobrança das taxas será gradativa, a partir de 2023, e até 2029 todos os encargos deverão ser integralmente pagos.

O problema é que os consumidores que são atendidos por distribuidoras de energia elétrica acabam bancando o custo de quem tem painel solar por meio das contas de luz. Os grandes consumidores, como a indústria, não terão que participar desse rateio.

Ou seja, quem não possui condições financeiras de instalar sistemas de energia solar acaba pagando a conta. O economista Pedro Neves defende o investimento neste tipo de fonte de energia, mas com apoio do governo para as famílias mais pobres.

“No lugar de dar isenção fiscal, o governo poderia subsidiar esses sistemas para os mais pobres. Não resolve o problema, mas compensa. Se diminuirmos a dependência de hidrelétricas em 10% ou 20%, são ganhos graduais que impactam positivamente”, analisa.

O que esperar para os próximos meses?

Para Neves, resolver a questão hídrica é crucial para a situação econômica do Brasil.

“Podemos retroceder bastante nos próximos trimestres. O PIB vai cair se não sairmos rápido dessa crise. Isso tem implicações sérias na economia e no cenário político. Todas as atenções vão se voltar para essa questão”, finaliza.

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